15 de dez. de 2008

Escolha

É estranho ver o tempo que passou, olhar para trás e ver que aquilo que você viveu não se repetirá. Perceber que as pessoas amadureceram e que as piadas antigas não tem a mesma graça. Crescemos.
É estranho perceber que precisamos adotar uma certa postura que ontem não era tão importante, que a medida que o tempo passa, nós precisamos nos aprimorar em algo, precisamos conhecer mais coisas, pois as coisas ficaram mais complexas e os motivos mais determinantes na sua vida. Os momentos vão diminuindo a partir do momento em que você se da conta de que o tempo está deteriorando e tudo ao seu redor começando a ruir.
É estranho olhar para trás e perceber que seu tempo vôou. Que ontem as juras de amor eram irrelevantes e hoje são direcionadas e de suma importância. É estranho olhar pela janela de trás do carro e ver o caminho percorrido, até que o começo do caminho não se pode enxergar, torna-se uma lembrança em meio a tantas outras.
Mas para que olhamos pelo retrovisor? Por que apenas não ligamos os faróis altos e atacamos a estrada na noite escura ou no dia chuvoso? Por que tememos a estrada e as vezes ficamos parados no meio do caminho esperando a neblina baixar. Há pessoas que se direcionam sempre pelo caminho contrário a lógica, simplesmente porque querem fugir dela, como se a lógica fosse algo errado, como um status negativo, e que seguí-la pode nos causar danos. Mas elas nunca fogem à lógica, ao plano inicial.
Eu não fugi da lógica, tentei seguí-la, mas parece que um fenômeno natural me tirou da estrada, me colocou em uma encruzilhada que mudaria todo o meu trajeto. Eu tive que escolher.
Nós sempre temos escolhas, boas ou ruins, justas ou injustas, nós nunca saberemos medí-las para conseguir entendê-las, mas as opções existem. A vida é algo temeroso, conturbador, pois ela consegue lhe dar todas as armas necessárias para caçar, mas consegue tirar-lhe a coragem. Muitos ficam olhando a encruzilhada durante anos, sem saber para onde ir, parados, estáticos, congelados no corpo e na alma. Pouquíssimas vezes coloca o pé em uma das estradas para sentir como será o trajeto inteiro e ficam pensando e pensando, sem saber exatamente qual seria o melhor caminho. Muitos se perdem e ficam tão acomodados nesta posição que estacionam o carro e esperam a morte, sem saber que a morte já havia chego quando escolheram parar.
Um dos caminhos é sempre o mais lógico, o mais correto, o mais ético, sempre buscamos o caminho mais prático, aquele que podemos percorrer na luz do dia, onde as coisas normais acontecem, sem segredos, deslizes ou preocupações. No fundo, você sempre terá dúvidas de como seria o outro caminho, mas acaba esquecendo quando tem de lidar com as intempéries do percurso. Mesmo nos caminhos mais lógicos há muita coisa a ser feita. O caminho "certo" pode representar uma calma e despreocupação, mas para muitos ele se torna um fardo, pois a escolha inicial não seria essa, ele se torna sinuoso, cansativo e entediante. Muitos acabam querendo voltar no meio do caminho, então o que era difícil se torna ainda mais complicado, pois você sempre deixa pegadas, pois escreveu uma história fazendo esse caminho. Voltar tudo para partir do zero é bem mais difícil. Portanto preste atenção nas suas escolhas.
O outro caminho é o caminho mais fechado, perigoso, tenso e inseguro. A mata é fechada, não deixando com que os olhos olhem com clareza a extensão da estrada, o dia se torna noite e nossos olhos tem que se acostumar na escuridão. Você vive nas sombras, nos restos de vida, na borda, na marginalidade. Você busca a satisfação no feixe de luz que penetra a mata. É difícil e você sempre se pergunta se aquele caminho do qual você fugiu não teria um pouco mais de iluminação e um pouco mais de ar para respirar. Você se esconde, não porque você quer, mas porque a mata te camufla em meio as suas descobertas. Aos poucos, seus passos ficam mais fortes e seguros, seus olhos acostumam-se com a escuridão, seus ouvidos mais aguçados, suas garras mais afiadas, afinal de contas você sabe o que precisará enfrentar. E então você encontra outros tantos no escuro, andando ao seu lado, buscando respirar o ar que teima em faltar. Você começa a se cansar, começa a se questionar sobre esse tipo de vida, e então, começa a arriscar. Aquele feixo de luz que você encontrou e que parece ser a única válvula de escape para uma vida normal está na sua frente. Com os punhos e mãos fortes começa a abrir pequenas clareiras na estrada, a luz invade, e o ar começa a ficar bem mais acessível. Parece que perdemos tempo em ficar tanto tempo embaixo dos nossos medos respirando o resto do mundo, nos preocupando com o que os outros pensariam de nos ver neste caminho. Eu não mudei ao virar para esquerda ou para a direita, eu apenas fiz uma curva. Pois bem, ao abrir uma clareira, a luz resplandece sua face e você fica exposto. Você deixa pegadas, abre caminhos e cria rastros, que podem ser interpretados de qualquer maneira. Mas você está forte. Seus pulmões estão fadigados de respirar ar pesado, e o oxigênio que os penetra parecem pedras de pano e chuva de confete. Não o atinge mais. Você se torna feliz e independente de toda aquela ladainha que transcede os tempos e alarda nossa paciência. Somos os donos do nosso espaço, da nossa vida e da nossa felicidade. Ficamos expostos sim, mas que os incomodados não nos olhem, não nos sigam. Eu continuarei neste caminho, onde os sonhos são mais coloridos que os dias cinzas que antecederam as escolhas. Eu continuarei a seguir a meta de ser apenas feliz, sem a preocupação de manter aparências para felicidades ilusórias. As escolhas devem ser feitas pelo seu bom senso, pela sua balança pessoal em medir o que realmente importa para você. Suas metas são escolhidas antes de fazer a curva. Dificilmente encontrará alguém que voltou, esses são duas vezes corajosos, pois absorveram mais coragem em muitos anos de convardia. Mas pense bem antes de escolher, essas escolhas mudam o curso da sua vida.
Sigamos, portanto, sempre adiante. O leite derramado poderá ser limpo, e apenas limpo. Não poderemos beber, apenas secar o chão e comprar outro. Precisamos parar de achar culpados para os nossos fracassos. Sigamos até que a morte nos ronde e peça para que paremos. Sigamos até que o último dos nossos dias seja vivido de forma sincera e verdadeira. Então mantenha os espelhos para que tenhamos uma referência, olhe para trás quando parar apenas para medir o que foi bom e ruim, e continue em frente, porque sempre haverão pedras, buracos, curvas sinuosas e caminhos alternativos que poderemos tomar. Alguns deles perigosos, alguns deles ilusórios, alguns deles sem volta, mas cabe a nós mesmos termos a competência de escolher o melhor.
Sigamos e apenas isso, essa é a nossa vida, essas são as nossas escolhas e essa é a nossa felicidade. De mais ninguém. E os incomodados, bem, eles que olhem para o outro lado, afinal de contas, nós nem estamos no caminho deles.

11 de nov. de 2008

Cleaner


Eu prefiro assim calado. Prefiro com as luzes baixas, os seguranças expulsando, os copos caídos e a bebida derramada deixando o chão pregando nos pés. Os papéis picados que outrora fizeram parte de toda uma decoração esplendorosa, agora é apenas isso, papel picado. As moedas dos seus bolsos dispersos são a salvação da refeição. Seu resto é meu aditivo. A sujeira enganada pela luz falsa é deixada para trás. O vazio toma conta daqueles que se vão.
Nós apenas limpamos. Limpamos a sua bagunça, limpamos o que você nem se lembra que sujou. Limpamos alegres, felizes, talvez reclamando e duvidando do merecimento daqueles que estavam ali. Talvez sendo chamados a atenção para alguma coisa que nossa percepção perdeu de controle. Mas estamos alegres, com objetivos dispersos e rindo da própria desgraça. O bom humor é fundamental quando se encerra o fim da festa. Nós apenas limpamos a sua sujeira.
Eu prefiro assim calado. Com a vassoura eu varro os enfeites, os restos, as sujeiras maiores, aquelas que ficam aparentes e que rapidamente deixam o ambiente descarregado. As sujeitas maiores são como impropérios corriqueiros de situações desaspercebidas que nos fazem aparentes e de tão aparentes são rapidamente limpas. A vassoura é suficiente para varrer o mal que ela causa. A sujeita maior é apenas algo sonoro, que não causa efeito, que não causa um mal-estar tão grande. Uma pá também se torna suficiente para que a sujeira maior fique fora de visão.
Nós apenas limpamos. Somos invisíveis aos olhos dos outros que evitam de nos olhar. Somos os que deixam vocês à vontade, deixamos tudo pronto para que a festa possa recomeçar. Ganhamos pouco por isso, pouco em valores e nada em reconhecimento. Limpamos tudo de ruim que você possa deixar cair, ou que possa cair de você, não importa. Somos assim, limpamos, essa é nossa meta, fazer com que você se sinta bem, sem que você saiba que estamos ali. Sua meta é simples: Não fazer nada.
Eu prefiro assim calado. O silêncio nos faz entender, ou tentar entender o motivo de tudo aquilo por que nós estamos passando. Se tudo faz parte de um plano que nós traçamos, por que traçamos planos falíveis? Eu vejo em seu rosto a alegria instantânea que se torna apenas um artifício para esquecer da vida inútil, sem feitos, sem sentido e sem precisão pela qual ela se tornou. Seus motivos são tão fúteis quanto a sua existência, o que lhe torna desinteressante, sem graça. Sua cerne se retorce em cólicas e eclode num misto de nojo e solidão. É isso que você se torna, um ninguém que não faz falta, aliás, só atrapalha. Seus olhos não abrem, para não perceberem o mal que você causa, o mal que você se causa, o mal que você espalha. Suas lágrimas são tão automáticas quanto o riso da noite anterior. Você foge do mundo como um escravo foge das chicotadas de seu mestre. Você se torna dependente daqui que te liberta. E nós vemos isso. Sua face trêmula e paralizada.
Nós apenas limpamos. Limpamos a sujeita que impreguina no chão, nas paredes, empestiando o recinto, exalando um misto de lodo, vômito e sangue. A música alta e de qualidade dá lugar ao silêncio ruidoso de seus gemidos, dos seus soluços, dos pigarros. A ultrapassagem dos limites para a necessidade extrema de se resguardar. Seu cérebro murcha. Se paraliza. Olha para o nada como se tudo estivesse sendo visto. E nós vemos isso. Sua degradação total, completa. O êxodo da razão dá lugar a libertação por vias perigosas e estimulantes. Tanta inteligência sendo jogada fora. Nós vemos isso.
Eu prefiro assim calado, no mais, um mop jogando água, um rodo tirando o excesso, um outro mop secando, água quente para melhor resultado, tentando tirar o máximo possível. Dos cantos ao centro, juntando toda a sujeira que se torna um lamaçal. Tudo vai para o ralo, tudo vai para onde não poderá mais ser alcançado. Nós fazemos isso para vocês. Tudo fica claro e limpo, como se a vida ganhasse um novo sentido, uma nova página para ser escrita. Como se uma nova chance surgisse para que você escrevesse tudo novamente. Como se você pudesse começar do zero. Como se uma porta se abrisse e lhe chamasse para iniciar um novo ciclo. Os sentimentos podemos deixar para trás, pois a limpeza nos torna puros. O chão está limpo, claro, simplesmente como se nada houvesse ocorrido na noite anterior. As paredes estão intactas, todas limpas, uma por uma. As portas, os banheiros, o bar, a pista, as mesas, as cadeiras, tudo, absolutamente tudo brilhando.
Nós apenas limpamos. Limpamos aquilo que não nos pertence. Limpamos apenas por ganância própria, para a conquista de nossos objetivos. A vida nos dá chances como esta que nós lhe oferecemos. Os cleaners da vida são assim, te entregam uma nova oportunidade, a cada minuto que passa, a cada momento, a cada dia. A sujeira ~sai completamente, até as mais difíceis, aquelas que são deixadas para não serem encontradas, de forma sutil, mas que quando se encontra, são as mais comprometedoras. São as sujeiras que magoam um coração por completo, as mentiras, as ofensas, as situações que constrangem. São dessas que nos lembraremos, mesmo que nós vemos há pouco tempo, mesmo que nós vemos há muito mais tempo. Não importa. As piores sujeiras são as escondidas, são as mais difíceis de serem limpas, pois elas querem permanecer ali, atrapalhando o andar das coisas, teimando em ficar mesmo não sendo convidada.
Eu prefiro assim calado. Todos trabalhando em serviço, assim como a amizade de duas pessoas, que são como correntes sanguíneas em veias diferentes sendo bombeadas pelo mesmo instrutor. A verdadeira amizade é assim, mesmo separadas, estamos sempre unidos por um fio imperceptível. Portanto, quando as luzes se apagam, quando a música já parou a tempos, quando apenas se houve o guardar das vassouras, dos rodos, e os risos dos cleaners, é sinal de que a chance já foi dada, que o ambiente encontra-se em perfeitas condições novamente. Todo minuto que se passa torna-se uma chance perdida de mudar toda a sua história. Até uma pequena pedra pode mudar o curso de um rio inteiro. A limpeza serve para isso. Para refazermos certas coisas erradas, para removermos a sujeira acumulada da nossa vida. Para juntar os retalhos de felicidade e seguirmos os exemplos para que possamos melhorar a cada dia.
Nós apenas limpamos. E se é para limpar assim, eu prefiro limpar no silêncio, na tranquilidade, na harmonia do meu ser e gozando a calma para a reflexão. Eu prefiro assim calado.

20 de out. de 2008

Fechou-se o Ciclo

E fechou-se meu ciclo. As idéias que precisavam ser renovadas, foram renovadas. A expansão da mente tende a limitar-se onde nos sentimos mais confortáveis, onde é mais favorável para a nossa adaptação. O ser humano é adaptável, pois se adapta onde se sente a vontade, assim é fácil. Só ficamos bem onde estamos bem. E assim sou eu também. Fechou-se o meu ciclo. Minhas amizades chegaram ao ápice, meu limite está além do expandido, minhas frases foram alteradas e minha percepção tomou, realmente, novos rumos. Enxergo com mais clareza e a sensação de dever cumprido parece estar chegando. As dúvidas estão quase no fundo da gaveta, e as que surgem, a cada dia que passa, o tempo se encarrega de eliminá-las.
Ganhei o mundo, e agora fechou-se meu ciclo, estou a passeio, corri o mundo para perceber que o melhor era estar onde estava.
O destino prega peças que até os mais inusitados e criativos autores podem se surpreender, as coisas acontecem e você não consegue perceber que cada vez que você se move para realizar algo, algo será realizado, talvez não aquilo que foi planejado, mas quem planeja algo? Quem dá a luz a alguém sabendo o que esse alguém será? As surpresas são o sal da vida, o inesperado é o que nos mantém ávidos pela vida. Os acontecimentos planejados são parte do plano traçado, mas quando algo sai da reta, e torna-se algo melhor, a recompensa parece ser extremamente mais prazerosa. É como limpar o chão e achar dinheiro, como ganhar um jantar apenas quando chegar a conta, como ouvir eu te amo de quem você menos espera.
Como seriam as contas matemáticas se todas as fórmulas já tivessem sido formuladas e as equações todas resolvidas? Como seria se descobrissemos como dar vida a alguém, como conceber um ser perfeito? Quais as pretensões? Quais as novidades? Quais as expectativas? Qual a graça? Quem assiste um jogo sabendo seu final? Quem arrisca uma jogada sabendo a carta seguinte?
Por isso fechou-se meu ciclo. Descobri que o melhor lugar do mundo não é apenas um lugar. Descobri que a felicidade não é apenas estar vivendo em um lugar tranquilo, onde as coisas funcionam, onde as pessoas são elegantes, bonitas e bem educadas. O melhor lugar do mundo não é apenas um cartão postal onde você olha o que já olhou por anos. É muito pequeno pensar que o melhor lugar do mundo é apenas isso.
Fui embora pensando que o ciclo já havia se fechado, e estava à procura de novos desafios, novas mentes a serem conhecidas e idéias a serem compartilhadas, mas descobri, um pouco antes de vir, que o ciclo não havia se fechado, eu apenas havia o afunilado com as mesmices e idéias ultrapassadas, com a acomodação extrema e medo de sair do casulo. O ciclo aberto não estava realmente aberto para mim, eu o abri como alguém que corrompe algo sem que os outros queiram. Eu era um intruso no meio de intrusos, um inseto meio a teia de aranha que me rondava. E senti saudade do ciclo antigo, onde me sentia confortável.
Descobri que o melhor lugar do mundo não é um lugar onde todos gostariam de estar, mas sim o lugar onde você gostaria de estar. Onde você se sinta a vontade. O melhor lugar do mundo não existe, nada é tão bom quanto, nem nunca será, pois o ser humano não se contenta com nada, é da nossa natureza. Dizia Nietchze, “que um pássaro só fica preso em uma gaiola quando perde a vontade de voar”. Buscamos ciclos, buscamos verdades, buscamos o inexplicavél, para que ele nos traga respostas que nos intriguem. Somos todos intrigados, todos estamos estupefados com as intrépidas teorias de outras pessoas, e então decidimos fazer as malas e ganhar o mundo para achar o nosso lugar perfeito.
Não culpo as pessoas que se vendem, não culpo as pessoas que fazem coisas ilícitas, não culpo os drogados, os doentes, os ignorantes, não os culpo, pois eles fizeram as suas próprias escolhas. As escolhas, frutos da nossa busca pelo melhor resultado. Não os culpo, nem os julgo, deixo para julgar quem tem poder para isso, e esse não sou eu. Eu apenas assisto, e aconselho quando solicitado. Quando solicitado. Eu não caio junto, pois também fiz minha escolha, minha cabeça é quem me rege, e somente a minha. No campo das novas idéias e das idéias ultrapassadas, nós ponderamos as melhores, e levamos conosco pela vida toda. Nós mudamos sim, pois o ser humano é mutável, mas quem não tem a capacidade de mudar viverá a vida toda tropeçando nos mesmos erros. E errar pela segunda vez é algo lamentável.
Eu não culpo os cansados pela jornada, todos que fazem as malas e rumam ao desconhecido tem algo para aprender, tem algo para aprimorar, tem metas e objetivos, tem pontos de vista para serem ampliados, tem verdades absolutas para caírem por terra, tem tabus para serem quebrados. Todos que caminham rumo ao desconhecido pensam que já aprenderam demais onde estavam. Não coloco nesse mesmo saco os sem rumo, os sem destino, os jogados e sem pretensões. Apenas os de mente aberta, os de espírito livre, ávidos pela descobeta de tudo aquilo que o seu lugar o proibia, o podava.
Eu não nego que fui negligente com algumas pessoas que me queriam por perto, sei que a ânsia pelo desconhecido faz com que o conhecido fique em segundo plano, mas algumas coisas não seriam aprovadas, algumas respostas não seriam conhecidas, e em tão pouco tempo podemos descobrir tantas coisas.
Como saber que o melhor lugar do mundo não é apenas um lugar, é muito pequeno achar isso, o melhor lugar do mundo é o lugar onde você se sinta bem, com as pessoas que fazem parte da sua vida, diretamente, do seu cotidiano, da sua história, do seu mundo. O mundo é grande, mas podemos fazer com que ele seja pequeno. As pessoas que fazem parte do seu mundo são pessoas com as quais você tem que estar perto, pois são elas que o erguerão na fraqueza, na doença, na miséria, na precisão, na alegria, na vitória e na derrota, não importa, o que importam são a família, os amigos, os amores.
Descobri que os problemas em um lugar melhor são outros, talvez menores que os nossos, mas ainda sim, são problemas, que precisam ser resolvidos. Descobri que as conquistas daqueles que tem tudo são menores que as do que não tem nada. As expectativas são menores. Portanto, não que sejamos piores, só estamos atrasados, estamos dormindo um pouco mais cedo a acordando um pouco mais tarde, apenas isso. Todos temos prós e contras, temos coisas boas e ruins, temos direitos e deveres, temos tudo o que podemos ter, somos o que podemos ser, na medida do possível.
O melhor lugar do mundo são as pessoas que fazem parte do seu espaço. São elas que fazem um lugar ser melhor ou pior, apenas as pessoas, aquelas com as quais você se identifica, que fazem o ambiente agradável.
Corri o mundo e ver que o melhor era estar onde estava. Junto com a pessoa com a qual se quer estar. E buscando crescer a cada minuto, a cada oportunidade de estar junto. Crescendo a cada dia, se desenvolvendo, absorvendo o que há de bom.
Fechou-se o ciclo, um ciclo que foi aberto apenas para uma coisa, descobrir que o ciclo inicial não estava fechado, estava apenas rotineiro, mas quando perdemos algo, aprendemos a dar valor.
O melhor lugar do mundo é aquele que você chama de lar.
Eu achei o meu, pois o vento nunca sopra a favor de quem não sabe onde ir.

7 de mai. de 2008

A Gaiola

Eu tenho medo, muito medo. Eu a temo ainda hoje. Temo a tudo que remete a ela, pois ela é feroz, ameaçadora, cruel, insolente, devastadora, intolerante. Ela corrói suas esperanças, indaga suas certezas, despreza sua felicidade, priva suas vontades, ata seus sonhos, emperra suas conquistas. Por isso me dá medo, medo de perder tudo aquilo que conquistei pela obediência cega do comodismo.
Eu tinha uns três anos quando me lembro das minhas primeiras lembranças. Ela já havia se apoderado de mim. Rotina. Rotina. Rotina. Os grilhões da boa educação e lavagem cerebral não deixavam-me injuriar. Ela me consumia. Consumia meu senso crítico. Estar aqui era como estar suspenso no tempo e no espaço. Estar aqui era estar paralelo a tudo o que ocorria em volta. Eu era cego. Ela me cegava. Minha ignorância era meu pecado, mas não sabia que estava pecando, então poderia ser perdoado, pois eu havia tido minhas asas cortadas, sem saber. Nada era diferente para mim. Minha realidade era aquele meu espaço. Tudo o que eu via, não conseguia distinguir. Comecei a emitir os primeiros sons. Osmose, osmose pura. Não havia referências, não havia estudos. Não havia certo ou errado. Comia quando tinha fome, bebia quando tinha sede. Sempre havia comida, sempre havia bebida. Acordava com o sol, dormia com a noite. Às vezes, o dia chegava sem prévio aviso, de repente. Meus olhos doíam. Minhas pupilas dilatavam, mas com o tempo você acostuma. Quando as intempéries são freqüentes, deixam de ser intempéries, tornam-se apenas eventos imprevisíveis.
Mas pequenos atos tornam-se grandes coisas. De uma pequena pedra no alto de uma montanha, pode-se gerar uma avalanche. E houve algo. Um som. Um som parecido com os sonhos que eu emitia. Então eu gritei. Gritei o mais alto que eu poderia gritar, gritei como se não houvesse amanhã, como se minha vida dependesse daquilo que estava por vir. E então lá estava ele. Algo que eu nunca havia visto. Era quase idêntico a mim, mas estava do lado de fora. Nossos olhos se encontraram e ele me olhou, olhou no fundo dos meus olhos e seu rosto, é indescritível a tristeza que emanava daquele olhar de pena, misericórdia, dó. Ele me olhava como se todas as coisas que havia feito estavam erradas, como se a minha vida não tivesse propósito. Eu o chamava, mas ele não parecia entender o que eu dizia, me olhava, apenas olhava, como se desaprovasse a minha existência. Tu já viste os olhos de quem sente pena? Olhos vazios, tristes, sem propósito, sem lugar, prefiro os olhos de ira, de raiva, de inveja, de medo, eles possuem vida. Olhos de pena são olhos mortos, olhos sem esperança. Eu queria saber o porque e quanto mais eu gritava pedindo uma explicação, mais ele me olhava, mais fundo ficava seu olhar. Então ele abriu as asas, deu uma última espiada e voou. Fiquei de boca aberta, pois ele voava, sem demarcações, sem medo, sem perigo, sem falta de espaço. Ele voava, para onde o vento batia, para onde ele queria, para onde sua vontade e imaginação permitisse. E foi ficando cada vez mais longe, cada vez mais longe, até que meus olhos o perderam de vista no horizonte. E quando a sua presença se tornou apenas uma lembrança, eu abri os meus olhos. Ela determinava meu espaço, meus afazeres, minha vida.
Alguém sabe como é a sensação de liberdade? Abra os braços em um dia de muito vento e sinta cada partícula de ar que circunda seu corpo. Tire a roupa. Contra o vento, seu corpo, apenas o seu corpo sentindo o vento. Sinta seus pés saindo do chão. O vento faz você voar. Coloque seus pés na terra e sinta toda a opressão do seu cerne sendo absorvida pelas raízes das plantas e transformando-se em oxigênio. A natureza liberta e nós aprisionamos. A felicidade é tão simples que nós temos medo que ela fique banalizada. Ela está sempre lá, nas pequenas coisas, nas coisas que realmente faz sentido.
Maldita é ela que me aprisiona. A gaiola, a minha gaiola feita de medo, de sombras, de acomodação, de excesso de dolo, de mentiras e omissões. Minha gaiola. Sou um pássaro de asas cortadas que não consegue voar, preso em uma gaiola linda, que inebria as vontades e coloca em dúvida as suas decisões.
Pequenas coincidências acabam transformando sua vida. Até ontem pensava ser o ser mais feliz que existia, pensava ter tudo o que existia ao meu alcance. Mas não o tinha. Minha ilusão quebrada por cinco minutos de sua aparição. Minha prisão de luxo exposta, meus grilhões finalmente começaram a apertar meus pulsos e calcanhares, minha respiração ficou ofegante, falta-me ar, falta-me perspectivas, tudo o que eu pensava ser verdade era apenas uma parte do todo, uma peça do quebra-cabeça, um por centro da minha capacidade. Minha passividade deu lugar à minha curiosidade. Minha felicidade deu lugar à ansiedade, ao espírito aventureiro que em mim estava repousando. Eu havia acordado. Acordado de um sonho profundo em que eu era apenas a marionete de estúpido passatempo.
Naquela noite eu não dormi. Percebi que o sol que às vezes teimava em brilhar fora de hora não existia, era falso, era simplesmente uma enganação. Não dormi, e via que as coisas estranhas que se mexiam e que eu pensava que iriam me atacar era apenas o público que queria me ver fazendo algo que eu fazia para tentar me comunicar. Eu os agradava. Esse sou eu. Existia para entreter. Existência para o bel prazer alheio. Não tenho querer, não tenho poder, sou apenas um fantoche nas mãos de crianças que podem fazer o que quiser. Meu canto emudeceu, minhas lágrimas começaram a escorrer e eu precisava vê-lo de novo. Eu precisava me livrar do meu mundo de faz de conta, onde ao mesmo tempo não me faltava nada e me faltava tudo. Onde estou no mundo? O que sou eu para o mundo? Qual a minha missão aqui? O que eu vim fazer? Ficar dentro de uma gaiola entretendo pobres miseráveis que acabaram com toda a minha vida? Definitivamente não.
Os dias seguintes foram uma peregrinação ao inferno. A bola de fogo amarela que brilhava e ardiam meus olhos quando eu a encarava, demorou a se pôr. Mas eu prestei atenção em cada detalhe. Na água que era colocada para mim, da comida que estava sempre lá, praticamente na mesma hora. Decorei cada movimento. Faltava-me espaço, ar, oxigênio. Faltava-me propósito, faltava-me, não falta mais. A vida é assim, às vezes chove, mesmo com o sol brilhando. O inesperado sempre acontece. E é o inesperado que acaba mudando as nossas vidas. Eu não estava pronto para ele, ele se apresentou para mim, como um facho de luz na escuridão, um grito meio ao silêncio, que incomoda, que importuna, que inquieta, que transtorna e transforma.
Naquele dia a bola de fogo estava extremamente escaldante, seu brilho era fulminante. Eu teria uns cinco segundos para tentar sair, era quando ela abria sua boca para respirar, onde meu alimento entrava, minha água chegava, quando a liberdade era mais clara e me mostrava o quanto eu era medroso. Mas aquele dia meu coração bateu mais forte, minha vontade era maior, meu medo que diminuía a cada dia substituiu-se pela gana de liberdade que eu adquiri em menos de cinco minutos que aquele pássaro ficou parado do lado de fora da minha gaiola. Eu queria vê-lo novamente e perguntar o motivo do olhar de puro desdém ao qual me foi lançado.
Cinco segundos. E não seria diferente aquele dia. Cinco segundos. Meu coração pulsou quando ouvi os passos do masoquista inconseqüente que me mantinha em cativeiro por puro entretenimento. E então, ela abriu a boca para respirar, eu pensei "quando não se tem nada, não se perde nada." Seria agora ou nunca mais. E então eu corri para a abertura, era um buraco em Alcatraz, era minha única chance, a única lacuna que a repetição mantinha aberta a ferida da desatenção. E eu entrei em pânico. Corri, corri e corri, procurando um jeito de me safar daquele lugar. O monstro que me mantinha aprisionado corria atrás de mim, e eu corria, corria como se um chicote me açoitasse, como se parar significasse o fim da minha vida, e significaria. Eu queria a liberdade, e então comecei a bater as asas, de forma desconjuntada fui procurando os cantos onde tentava obter uma melhor visão. E então eu achei. A janela, de onde vi o pássaro que me trouxa a dignidade e abiu os meus olhos ante a minha ignorância. Enchi os pulmões de ar e respirei o ar puro da liberdade. Eu era livre. Livre da minha gaiola. Livre da minha vida mentirosa e previsível. Eu não sabia o que comeria, o que beberia, que perigos me esperariam, mas eu sou livre. Livre para escolher para onde voar, que caminhos seguir, que escolhas fazer. Livre. A liberdade tiraria minha tranqüilidade, mas me daria algo que eu perdi quando me presentearam com a minha gaiola, um propósito, um objetivo.
E então eu o vi. Ele abriu um sorriso, me olhou nos olhos, espantado e orgulhoso. E então conversamos muito. Ele me ensinou muitas coisas, muitas das quais eu perdi estando preso a minha vida de faz-de-conta. Hoje sei que todos sabemos voar, mas nos falta espaço e oportunidade. Todos podemos bater as asas, mas poucos fazem isso, por medo, por comodismo, por preguiça, ou por ignorância. Todos somos livres, ou podemos nos libertar. É só ter perseverança e consciência de que nem sempre as coisas darão certo, mas se você estiver voando você pode até cair, mas saberá como voar novamente. Durante as nossas conversas, e nossos vôos, eu via várias outras gaiolas, várias outras mentes maravilhosas podadas pelas gaiolas. Algumas delas eram gaiolas feitas pelos próprios pássaros, e isso me fez entender porque aquele pássaro havia apenas me olhado, e não me ajudou quando eu clamei por socorro. É minha decisão sair da gaiola. Ele não me mostrou um caminho certo, ele me mostrou apenas um outro caminho. Poderia ter permanecido onde eu tinha tudo, com todas as facilidades, mas nunca se sabe o que acontecerá amanhã, nunca se sabe quando choverá, mesmo estando em um dia de sol. Você não deixará de ser um pássaro na gaiola, ou fora dela, você apenas decide onde vai morrer. Alguns preferem morrer engaiolados, presos, com destinos pré-determinados, eu decidi morrer voando, livre, decidindo meus próprios caminhos.

25 de abr. de 2008

Falta de Oxigênio

Inspire com força. Sinta o cheiro do ar fresco. O ar fresco dos jovens, destemidos, donos de suas escolhas e de seu destino. Donos das suas certezas e de suas dúvidas. Donos dos seus medos e anseios, das suas decisões que refletirão pelo resto de suas vidas.
Inspire com força. Sinta o cheiro da liberdade. A liberdade que temia em lhe fugir pelas frestas dos dedos, podada por meios variáveis que determinavam os “fins”, previsíveis e infelizes. Chamem-me mais uma vez de previsível. Chamem-me mais uma vez de infeliz. Estarão errados. Quando falei o “não”, o “sim” honrou minha confiança e abriu as portas da minha percepção para que eu visse que o mundo gira e nós giramos com ele, somos um só, apenas um, entre os 6 bilhões e meio de “sós”, donos das nossas escolhas e autores da nossa própria história. Os outros são retalhos complementares, nossa liga, nosso elo, nossa motivação. Somos nós e apenas nós. Somos jovens e somos egoístas. No nosso egoísmo está a sensação mais sublime e verdadeira da liberdade. Liberdade é egoísmo. É o nirvana. A sensação máxima de poder em que não há perplexidade e não há limites.
Inspire com força. Sinta o cheiro do alívio. O alívio de poder executar o que não estava previsto, de olhar em volta e não se importar com o que as pessoas estão pensando sobre a sua opinião. O alívio de não ouvir os formadores de opinião para obter a sua através da observação, do pensamento, do estudo, e não através da osmose.
Osmose, o mal do século é a osmose. Somos tão dependentes das opiniões alheias que esquecemos das nossas. Precisamos seguir tendências, nos preocupar com a aparência, com a moda, com o medo, perdemos a personalidade individual e adotamos a personalidade coletiva. Sim, somos massificados, somos globalizados, somos 6 bilhões e meio de “um”. Somos tão politicamente corretos que o apolítico se torna amoral, que o incorreto se torna uma bestialidade. A osmose corrompe o livre-arbítrio. Osmose é a herança dos preguiçosos.
Inspire com força. Sinta o cheiro da felicidade. Felicidade que aquece, que inebria, que envolve, que anima, que engana. Felicidade é uma dádiva dada à aqueles que aprendem a fechar os olhos, que não se importam com o resto, como o todo. A visão holística é apavorante. Não se pese na balança, é impossível prever os resultados daqueles que conseguem enxergar a verdade por trás da cortina de fumaça que se forma para cegar a massa. Somos a massa, somos o povo, a maioria de cérebros lavados por décadas de propagandas. Platão é apenas um querendo sair da caverna, com tantos outros querendo que você permaneça lá dentro. E a caverna não é mais escura. Ela é toda decorada, com uma televisão que lhe entretém, ao mesmo tempo em que lhe amedronta e conta como lá fora é escuro, sombrio e perverso. Às vezes você espia pela janela, e avista outras janelas, mas sabe que nunca chegará as melhores cavernas, e se contenta em manter a atual. Suas preocupações fúteis são criadas para deteriorar seu tempo. Seu emprego, suas contas, seu carro, seu aluguel. Se alguém se joga nos trilhos do metrô a sua primeira preocupação é a de não atrasar o seu compromisso, seja ele qual for. Quem se importa com o nome do pobre diabo que resolver dar cabo da própria vida? Será que ele colocou os pés para fora? Será que deixaram a porta aberta?
Inspire com força e sinta o cheiro da banalização. A banalização que faz com que o ser humano se torne adaptável. Cheire o fedor da sujeira acumulada, você se adapta. Cheire a fumaça cinza que torna o pulmão pútrido, você se acostuma. Não resolvam o problema da emissão de CO², inventem perfumes melhores, purificadores de ar. As alternativas pequenas se tornam soluções, o provisório se torna permanente, o ilusório se torna real. Se acostume com a violência, a miséria, a fome, e vejo o lado humorístico das coisas. Assim é mais fácil se enganar. Se engane cada vez mais, banalize a tudo, como uma anestesia a dor da verdade que lhe cerca. Estamos todos morrendo um pouquinho por dia. Você não se dá conta que está matando também? Seu cigarro, seu desodorante, seu carro, sua comodidade, sua preguiça.
Inspire com força. Sinta o ar fresco. Hoje ele é raro, ou melhor, em extinção. Touradas e rodeios para sua diversão. Grandes casacos de pele para sua luxúria e vaidade exacerbadas. Façamos um brinde ao legado de nossa incapacidade de solidariedade. Culpe a natureza, afinal, ela que dividiu a Terra em continentes. Gaia, sádica-maldita, por sua culpa nos tornamos diferentes na aparência, semelhantes apenas na estrutura. E agora nos pune com ondas gigantes, degelo, aquecimento global, clima instável. Só porque mutilamos o curso natural. Mas somos homens, pensamos, evoluímos.
Inspire com força. Sinta o cheira da diferença. Apenas 2% nos difere dos chimpanzés. Nós nos matamos por egoísmo, nos traímos por bel prazer, nos adaptamos ao final dos tempos, somos incapazes de viver com diferentes e, mesmo assim, temos a coragem de nos considerarmos os “racionais”.
Somos seres humanos míopes. Onde estão os óculos da razão, da sensibilidade, da beleza, da humildade, da solidariedade? Onde esconderam nossos óculos? Estamos cegos pelo próprio orgulho. Somos como rãs em uma panela. Cozinharemos pouco a pouco sem percebermos e, de repente, tudo cai. Protejam-se, pois isto é apenas a ponta do iceberg, e ele está descongelando.
Inspire com força. Sinta o cheiro inconveniente da verdade. A verdade que sufoca, que aprisiona, que incomoda a vista e lacrimeja os olhos. A verdade que repele o senso-comum, que faz com que pensemos nas coisas como elas realmente são. A verdade que tira o véu da educação, pois a educação nos reprime, nos direciona, influencia nossas idéias, nos priva da originalidade, faz com que tomemos atalhos, e pouquíssimos retornam para desbravar nossos caminhos. Acomodem-se meros espectadores, acomodem-se confortavelmente no sofá e aguardem, aguardem a história ser feita e grandes homens nascerem e morrerem. Aguardem enquanto definem o curso da sua vida. Aguardem enquanto pequenos homens criam grandes histórias em epopéias contemporâneas com heróis anônimos e vilões conhecidos, onde o mal triunfa porque o bem não está adormecido, ele está contaminado, moribundo, um morto-vivo, respirando por aparelhos.
Inspire com força. Sinta o cheiro da vitória. A vitória que nos torna importantes, reconhecidos, que nos dá um espasmo de felicidade, que demonstra nossos sucessos, nossas virtudes e determina nosso futuro. Amaldiçoados os derrotados, os perdedores. Onde largam vinte, dezenove são esquecidos. A vitória é justa com os talentosos e injusta com os esforçados. A vitória que alegra é a mesma que vicia e corrompe, a mesma que gera intolerância. A incapacidade de se alegrar com a conquista alheia e apenas decepcionar-se com o insucesso. Vencer é bom, mas perder é um estímulo para prosseguir.
Acredito que formemos nossa personalidade conforme nosso habitat, mas porque não o questionamos, ou melhor, porque o questionamos em voz baixa? Talvez seja pela preguiça em procurar uma resposta. Nossa preguiça não nos deixa pensar, apenas questionamos em busca de uma resposta pronta, de uma fórmula mágica que resolva nossos problemas. As palavras nem sempre são aquilo que você gostaria de ouvir. É escuro o túnel que a vida produz, e nunca encontramos a luz, mas por que paramos de procurar? Cansamos? Será que descobrimos que fomos nós que a apagamos?
Inspire com força. Sinta o cheiro da evolução. Evoluímos nossas máquinas e desenvolvemos o desemprego. Evoluímos nossas defesas contra as pragas e criamos agrotóxicos. Evoluímos nosso poderio bélico e criamos bombas nucleares. Evoluímos nossa educação e criamos o falso moralismo. Evoluímos nossa comunicação e criamos barreiras invisíveis como preconceito, favorecimento, riquezas, divisas. Evoluímos nossa alimentação e desenvolvemos a fome. Evoluímos nossas praticas de artesanato e exterminamos os recursos minerais. Evoluímos nosso transporte e exterminamos o petróleo, o ar, a água. Esquecemos de evoluir os sentimentos humanos que realmente importam e desenvolvemos outros, que nos recusamos a pronunciar como preguiça, inveja, ira, gula, vaidade, luxúria. Os sete pecados capitais foram inventados pela nossa incapacidade de notar a felicidade simples e verdadeira. Nossos métodos são destrutíveis e irreversíveis. Nossa felicidade tem prazo de validade e ele está se extinguindo. A evolução condena. Evolução e regressão, não são antônimos.
Inspire com força. Com mais força. O ar está ficando rarefeito, denso, pesado... respire... respire... não desista... respire... evolua... respire... respire...

3 de abr. de 2008

8:2

Quando é hora de parar?
Quando é hora de jogar a toalha e admitir que acabou?
Quando é hora de secar a última lágrima e se levantar, ou se deitar?
Quando seremos menos perfeccionistas e mais tolerantes?
Quando notaremos que apenas poucos conseguem realizar seus sonhos?
Quando notaremos que nossos sonhos sofrem mutações constantes decorrentes de fatos diários e novos aprendizados?
Quando notaremos que é hora de abandonar o barco, porque o fundo do mar é o único lugar em que ele poderá chegar?
Quando notaremos que as mais belas canções são as mais tristes? :

Como saberemos se nosso lugar não é no fundo do mar?
Como saberemos que nossos sonhos se despedaçam à medida que nossa percepção vai ficando cada vez mais aguçada e nosso tempo vai se dissipando?
Como não sentir inveja da minoria privilegiada?
Como erguer a cabeça que ficou por tanto tempo abaixada com vergonha da vida escolhida, ou outorgada a ti?
Como remover o limbo dos demônios acolhidos por nós, por livre e espontânea vontade?
Como preservar o bom senso, a moral, a ética, os bons costumes, quando todos os outros lhe mostram que esse caminho é sempre o mais árduo?
Como não se iludir com o pouco, quando o pouco é muito aos olhos de quem tem tão pouco?
Como ser imune a melancolia estando isolado em uma ilha afastada do mundo? :

Qual a chance que temos de sairmos vivos daqui?
Qual oportunidade de redenção alguém dará a alguém que não quer redenção, pois sabe que a redenção só virá da moléstia de todos os seus pecados?
Qual o grau de insanidade que tem em todo ser humano capaz de ser menos racional que o macaco?
Qual a atitude certa a ser tomada?
Qual a sua responsabilidade para com a vida dos outros?
Qual a fórmula para se atingir o grau mínimo de felicidade?
Qual será a ciência exata para nos transformar em seres extremamente merecedores de receber o dom máximo da vida?
Qual será minha função aqui? :

Por que tanto ódio estampado por algo que dizemos seguir, proferir, exaltar?
Por que tanta inveja das coisas maiores quando as menores coisas são as que carregam consigo a verdadeira felicidade e motivo de saudade?
Por que tanto desperdício de tempo, comida, dinheiro, água, com tanta gente precisando de tempo, comida, dinheiro, água?
Por que o anseio pela morte, se ela virá, mais cedo ou mais tarde?
Por que corremos atrás de empregos que odiamos para fazer parte da sociedade que sempre criticamos?
Por que sinto aconchego na falsidade?
Por que temos medo da dúvida e das nossas escolhas quando elas são o sal da vida?
Por que o ciclo da vida nos faz matar algo para comer, e assim, prolongarmos mais um pouco a vida que não tem sentido? :

Quem poderá nos salvar das nossas próprias atitudes tolas e mesquinhas?
Quem poderá enxergar além do que nos é exposto?
Quem irá ajudar sem recompensa?
Quem irá agradecer a ajuda ocultada pelo não acontecimento?
Quem mudará o curso das coisas?
Quem não hesitará em dizer à verdade que irá prejudicar quem mais ama e beneficiará quem mais odeia?
Quem não correrá sem rumo ou chorará sem motivos?
Quem não buscará a paz onde há apenas trevas? :

O que faremos de nossas vidas para que as mesmas valham a pena?
O que procuraremos em nossa alma para nos aliviar a dor?
O que será feito do mundo quando o mundo sucumbir as nossas pressões?
O que pensarão nossas crianças com nosso exemplo de total abandono, dolo e inconsciência?
O que lhe faz pensar que o seu insucesso é motivado pelo sucesso do outro?
O que fazer para afastar o que lhe faz mal?
O que lhe dá prazer?
O que fazer para esquecer o que seus olhos viram e o seu coração não aceitou? :

Onde podemos nos esconder das atitudes que nos trouxeram até aqui?
Onde ficaremos quando tudo ruir?
Onde a mágica se escondeu e a realidade invadiu nossas esperanças ilusórias?
Onde está o respeito que simplifica todas as nossas ações e traria mais justiça, honestidade e tolerância?
Onde está a coragem que faz com que enfrentemos nossos medos?
Onde está a esperança que corria a conta-gotas em meus tornozelos e que dificilmente chegaria a minha cabeça?
Onde está o amor perante a malevolência dos nossos dias?
Onde estão as lembranças boas que nos fazem abater as más? :

Quanto custa seu prazer?
Quanto custa o seu sonho?
Quanto custa sua dignidade?
Quanto custa seu sono?
Quanto custa suas memórias?
Quanto vale a sua vida?
Quanto custa o seu carinho?
Quanto custa seu bom-senso? :

: Quanto custa sua amizade?
Quanto custa seu amor?

: Onde está o sorriso que fugiu do seu rosto?
Onde está o complemento para preencher o vazio?

: O que é justo dizer na sua hora crítica?
O que somos nós?

: Quem irá sucumbir para proliferar?
Quem irá morrer para prosperar?

: Por que nossas táticas nunca são perfeitas?
Por que nossos caminhos não são independentes?

: Qual a graça em viver entre os dissabores?
Qual a cura da angústia que foi tatuada no cerne?

: Como fazer para disfarçar o sorriso, choro, a raiva, a vingança, o ódio, o amor?
Como não duvidar com a confiança abalada?

: Quando é hora de começar?
Quando choverá rãs?

5 de mar. de 2008

Como Tolas Mariposas

Você trancou as portas do seu mundo. Girou a chave duas vezes. Girou a maçaneta em seguida para se certificar. As coisas melhoraram. No seu quarto escuro, bagunçado, pequeno, sem janelas, as coisas melhoraram. Com a roupa de cama usada, amarfanhada, o travesseiro achatado e o acolchoado jogado no chão, as coisas melhoraram. Meio ao cheiro de suor noturno, com o cabelo oleoso, com os dentes mal escovados, as coisas melhoraram. Você não ouvia os sons do lado de fora, não via os rostos que lhe encarariam, não via nem a luz do sol. Sozinho, obteve o suspense dos que não querem ser surpreendidos, obteve o silêncio dos injustiçados, obteve a paz, a paz da ignorância, da abstinência, da falta de veemência, do cerne empoeirado pela desorientação, da opressão dos instintos. Você trancou as portas do seu mundo, tudo era mais calmo.
Você nem imaginava quem era quando me ouviu o girar da maçaneta. Estava seguro, estava trancado. Ninguém podia lhe resgatar aqui, pois aqui é seu mundo, seu salvaguarda, sua realidade. Mas você não sabia que eu tinha uma cópia da sua chave. Arregalou os olhos, atônito, quando ouviu o primeiro giro. Estava pasmo, parecia que assistia a própria autópsia, quando houve o segundo giro. Não acreditava, mas eu tinha a chave do seu mundo, estava comigo o tempo todo. E abri a sua porta. E um filete de luz pela fresta que eu abria foi o suficiente para clarear seu rosto triste, e expulsar todas as mentiras com as quais você se veste.
Sei que a verdade meio as suas mentiras lhe causa calafrios. Você estava maquiando seus interesses com uma horrenda máscara de vilão. Sinta-se mais calmo. Eu sei de tudo. Sinta-se mais calmo. Levante-se. Não se esconda. Não adianta mais. Não retorne ao seu mundo, lá você se perde. Reaja, não há porque me temer. Não retorne ao seu mundo, você se torna um alvo fácil, por ser tão previsível como final de fábulas infantis. Surpreenda. Faça diferente desta vez. É sua oportunidade. Não siga a mesma trilha, mesmo que você atole, mesmo que caia e machuque as pernas e os cotovelos.
Lembre-se de todas as vezes que o seu temperamento falou mais alto e você perdeu a razão. E todo dia perdia um sono bom. E mesmo acordado nunca viu o pôr-do-sol. Não vê? Até em meio a adversidades você poderia ter contemplado algo de bom. Tudo tem seu lado bom, mas você ignora o belo e se intensifica em entender o oculto. E todos nós sabemos que você faz isso. Pois a trevas meio a sua luz lhe causa calafrios. Por que você sempre prefere o copo vazio? Você sempre se empenha para transformar sua própria vida em um estorvo, um retorno ao contra-senso. Torna-se o imutável ignorante só pelo medo de ser igual ou diferente.
Não, não retorne ao seu mundo perfeito e ilusório. Você não é auto-suficiente. Você precisa precisar, precisa muito precisar, nunca pare de precisar. Quanto mais você abre o campo de visão, menos você enxerga. Pare de mentir. Meia verdade é meia mentira e só instigará a ira do martirizado. Não minta agora, pois já mentiu a vida inteira. Não minta mais agora mesmo que elas lhe pareçam tão verdadeira. Não minta mais, você não está enganando ninguém, ninguém além de você. Você deu a primeira pincelada, mas na vida é assim mesmo, você terá de pintar o quadro inteiro. Invista numa nova chance que eu estou lhe proporcionando. Eu estou aqui, abri a porta para que você conseguisse que a luz iluminasse suas idéias, para que você visse aquilo em que você se tornou. Se olhe no espelho. Você evita as mudanças, mas está mudando o tempo inteiro. É um ludibriado, um cordeiro em pele de lobo. É tão conjeturado como as mariposas sobre a luz. Evita todas as respostas, mas pergunta o tempo inteiro.
Me diga que animal tem a capacidade e a coragem de enganar a si mesmo só para garantir suas próprias necessidades? E se torna um alvo fácil por ser tão previsível como as tolas mariposas atraídas pela luz.

20 de fev. de 2008

Corte Delicado

Depois de uma semana estafante, decidi não gastar o dinheiro que ganhei trabalhando a semana inteira. Decidi dormir cedo na sexta-feira, o cansaço veio a galope, os olhos pesados, apenas a luz da televisão quase inaudível e o som de carros e sirenes.
Estou sozinho em uma cama de casal. Sei que meu cabelo está desarrumado, mas ninguém verá.
É sábado, uma feia, fria e nublada manhã de sábado. Ligo a televisão, desligo em seguida, nada presta. Tomo um bom copo de leite, pego uma faca e corto o pão que comeria, me cortei. Um corte fino e sem relevância. Quase imperceptível. Chupei o sangue que escorreu. Comi o pão. Tomei um bom banho. Correria se pudesse, mas a chuva não deixou.
Voltei para a cama de casal. Abri os braços e as pernas, fiquei imóvel. Imóvel até meus braços formigarem. E eu tentei me ouvir. Buscava um mundo novo em algum lugar. Ouvir minha alma. Minha consciência.
Olhei para o teto, um teto simples de cor branca. Mas o branco não é simples, engana-se quem pensa assim.
Olhe para algo branco e diga o que você vê. Branco? Não limite sua percepção. Olhe além. Pare de ver. Enxergue. Usufrua da sua imaginação, da fertilidade da sua mente. Se coloque no branco. Não tão simples assim.
Gostamos de ser ludibriados, o engodo faz parte da nossa natureza. A mentira necessária é mais prazerosa que a verdade justa.
O branco me remeteu a neve. Estava andando na neve. Você a vê? Ande, caminhe, pule, brinque, olhe os flocos de neve caindo sobre você. Você está sorrindo, está fazendo parte de algo especial. Percebi que estar com você é como caminhar na neve. Eu sempre me esforçava para caminhar, era prazeroso, novo, bonito, empolgante, recompensador. Mas com o tempo você vai se cansando. Cansa de se molhar quando a neve derrete sobre suas roupas, cansa de erguer as pernas se esforçando para ir mais rápido, cansa de respirar o ar gelado apenas para contemplar algo que começa a perder a graça. A neve é linda, mas é água em estado sólido. É uma escultura de gelo, tem data de validade, tem prazo de vida. A neve se torna um estorvo para sua locomoção, para suas atividades, ela fica cansativa e embaraçosa. Você não faz mais bonecos de neve, você não a contempla mais, você não olha com encanto os flocos de neve caindo ao seu redor. Você só encara a neve quando é necessário. E quando pode, você pega uma pá e retira a neve do seu caminho, você a evita, a rejeita, suplica por seu sumiço de livre e espontânea vontade. Eu era a sua neve. Que insistia em cair em sua cabeça e não ligava de ser sacudida. Que molhava a sua roupa para ser lembrada. Que fazia suas paisagens ficarem maravilhosas, mas você não olhava mais para fora. Você poderia ter falado: “Pare de cair”. Mas você não falou. Você ainda sorria quando a neve caía, quando via bonecos de neve e imagens dignas de um cartão postal. Você era capcioso e eu caí na sua armadilha. Sua boemia era minha degradação. Seu sorriso era minha perdição. Sua verdade era minha verdade.
Olhando para o branco eu entendi, nós não gostamos de ser simples. Nós queremos ser complexos. Nós não queremos ser compreendidos em cinco minutos, nós queremos ser surpreendidos a cada segundo. Nós não gostamos de ser exatos, nós queremos variáveis.
A diferença entre educação e grosseria não está em “o que se fala”, mas em “como se fala”. Mas a verdade é que a diferença entre a verdade e a mentira está em como se ouve. Dizer “eu te amo” a um apaixonado não é como dizer “eu te amo” a um affeur. O resto do rico é o tudo do miserável. Manter um relacionamento é como segurar um punhado de areia, se deixar muito aberto ele voa, se apertar demais ele escapa entre os dedos. Essas são nossas variáveis. Nosso cálculo matemático indecifrável. Nossa matéria odiada e indispensável. Os resultados nunca são iguais.
O que lhe custava ser honesto? O que lhe custava ter uma postura madura? O que lhe custava usar palavras simples?
Infelizmente não foi você quem errou. Eu fui direto, ansioso, impreciso. Não impressionei, não cerquei as possibilidades, não dei margem para discussão. Quando se defronta com a liberdade, entra-se em um jogo perdido.
Um laço de presente é apenas uma fita em linha reta. Você molda aos poucos e de forma branda, sem alardes, sem cobranças. Caso não de certo, pega a mesma fita, ou outra, e tente novamente, sem que o presente perceba, ele está lá, preso, mas belo e consentido da sua posição.
Peguei no sono.
Acordei horas mais tarde. Olhei para o lado, para as paredes, a televisão desligada, o armário, o criado-mudo, ouvi a chuva que continuava caindo e alguns raios que refletiam nas paredes, hesitei, mas decidi olhar para cima. Olhei para o branco do teto e percebi como nossa visão é limitada. Como nós preferimos ver aquilo que está a nossa frente, aquilo que queremos. O branco não existe. O branco é, na verdade, a união de todas as cores. Mas é mais fácil perceber o branco. Não enxergo mais o branco. Tudo é branco e nada é branco.
Me levantei mais calmo, mais relaxado. No decorrer do dia, sentia arder o pequeno corte, aquele corte de faca quando fui cortar o pão, pois não era como um corte grosseiro que faz alarde e nós estancamos. Era um fino corte, que aos poucos se torna irritavelmente inconveniente. A irritabilidade das coisas simples, pequenas e repetitivas.
Não foi um corte profundo, não foi um corte grave. Foi um corte delicado, mas um corte delicado sangra do mesmo jeito.

7 de fev. de 2008

O Tuareg

É estranha a sensação de solidão. Dor no peito, insônia, mau-humor, cansaço, pensamento longe, olhos caídos, vagos, como se uma lacuna estivesse lá para ser preenchida. E está. Ficamos frágeis perante nossa própria fraqueza. Não importa o quão duro, o quão autoritário, o quão totalitarista você possa parecer, seus demônios o enfraquecem, eles conhecem o seu tendão de Aquiles, conhecem o seu ponto de equilíbrio, eles enegrecem sua visão, quebram a luz do farol, queimam o mapa e te deixam a mercê de qualquer criatura que passe por lá.
Eu escolhi essa vida. Sacudindo a poeira e fugindo do calor da manhã, assim começo o dia. Sem alguém para dar bom dia. Só o sol brilhando incansavelmente, o céu azul, as constantes ondas de calor, a sede incessante, a amargura de não ter ninguém em volta. Eu escolhi essa vida. Abandonar a ignorância benévola. Dependurar nas imperfeições humanas e buscar respostas para perguntas clássicas e complexas. A hombridade de repudiar os quesitos básicos que faziam parte do meu mundo. Sucumbir a curiosidade que realmente mata.
É estranha a sensação de solidão. Parece que te vendam os olhos e rodam, rodam, rodam, rodam, rodam, e te soltam, e você vai tropeçando sem direção. Ouvindo vozes de todas as partes. Eles se divertem com sua queda, com a mistura de todos os seus sentidos ao mesmo tempo. Ou a falta deles. Você tenta se levantar, em vão.
Eu escolhi essa vida. Abandonar o velho mundo reprime ainda mais sentimentos ocultos, ejeta idéias constantes. Onde há areia, sonha-se por uma charneca. O constante vento forte o faz lembrar de como era bom o tempo em que as esperanças nunca se findavam e as dúvidas eram esquecidas depois de vagos complementos contrários de sua teoria. Se tivesse um copo, brindaria a minha felicidade perdida que troquei pela minha decepcionante realidade.
É estranha a sensação de solidão. Mais estranho é saber que quando você consegue se orientar, alguém te empurra. Os risos continuam, a tontura está quase diminuindo e então, te empurram. Você bate os joelhos, machuca os cotovelos, segura o choro, afinal, ninguém precisa saber da sua dor, seria tachado fraco, diriam que não saberia brincar. Portanto não tire a venda dos olhos, levante-se sozinho, pé ante pé, sua cabeça busca o labirinto, então sente uma mão nas suas costas, e lá está você novamente, no chão. A brincadeira começa a te cansar, não?
Eu escolhi essa vida. Viver de restos. Restos de vida, rastros de morte. A vida é longa para os acomodados e curta para os revolucionários. Normalmente os acomodados tendem a encurtar a vida dos revolucionários. Nós somos sempre excêntricos, quiméricos, extravagantes, visionários, sempre buscamos compreender o incompreensível. Por isso destoamos do coral, desalinhamos a manada. Enfrentamos as conseqüências das nossas virtudes, das nossas descobertas e dos nossos princípios. Princípios esses, impares, únicos, inexatos a compreensão do ser humano médio. Sensato e perigoso para o ser humano alto e fortalecido. A abertura de mentes requer o fechamento de portas. O isolamento trás a facilidade da percepção, mas o isolamento traz o isolamento, oras. Temos esta escolha cruel entre vivenciar a agradável companhia de alguém especial, mesmo com seus diferentes pontos de vista, ou buscar o aperfeiçoamento contínuo e viver no isolamento. Poucos escolhem essa minha vida. Eu escolhi. Escolhi ser o monstro que todos esperam que eu seja, para me tornar o herói das gerações futuras. Escolhi saber a verdade ao invés de me perder em mitos e mentiras, em fatos inexplicáveis. Sou um homem da ciência, em busca da sabedoria plena e assim, vivo na catarse. Esse deserto é meu purgatório, meu limbo. A repetição dos meus erros em busca dos meus acertos. É a variável dos meus cálculos exatos. A verdade que busca o céu, a redenção. Eu quero dividir por zero.
É estranha a sensação de solidão. Você corre contra todos aqueles que te chutam, empurram, riem da sua desgraça. Você corre, até suas juntas começarem a queimar, até você não agüentar mais, até sua respiração te trair e fazer você se cansar excessivamente e seus pulmões ficarem tão pesados que suas costas parecem estar servindo de transporte para um elefante inteiro. Então você pára, se reprime e pensa que a sua única tentativa foi a de parecer fazer parte do grupo que te repudiou de maneira tão grosseira e coercitiva. Por que sair do seu casulo? Por que quebrar a casca? Recolha seus braços entre os joelhos. Peça para ser diferente, ser diferente, sendo igual. Deixar de ser “o” para se tornar mais “um”. As lágrimas que correm revelam meu destino. A opção que eu tomei tão pequeno e que todos os dias me pergunto se foi a correta. Será tão importante assim se sobressair de alguma forma? Será que não temos que fazer parte do todo? Será mais importante minhas descobertas ou minhas raízes?
Eu escolhi essa vida. Escolhi atender as excentricidades da minha alma, ao alimento que minha percepção solicitava. Escolhi o refúgio da liberdade. A liberdade ilusória. A liberdade que aprisiona. É o êxtase excessivo que traz a dependência. Ser um Imashaghen, ou ser um dos livres, traz a vantagem da liberdade que transcende a capacidade das massas. Livres das provações, das formalidades, da ética, do liberalismo, da repressão, de Deus, do demônio, da igreja, da psicanálise. O acesso ao excesso é a base do regresso. A simplicidade é a chave para a liberdade total e completa. Evoluímos dos macacos ou regredimos deles? A tecnologia avança a passos largos, minutos são momentos, descobertas novas a cada dia. O mundo se tornou mais rápido. Você esperava pelo Natal e hoje mal vê ele passar. Quando acorda é hora de ir trabalhar. Não assimila nenhuma informação, pois elas variam na velocidade da luz. É capaz de falar com o mundo todo, mas incapaz de cumprimentar seu vizinho. Criamos máquinas para nos tornarmos velozes e estamos ficando com o tempo livre pela mão-de-obra que sobra aos montes. Enriquecemos os poucos e entorpecemos na idéia de que ficaremos tão ricos quanto os que nos empregam, é um ciclo vicioso, uma inverdade baseada na verdade absoluta mantida por séculos de que somos todos iguais. Mentira. Somos todos diferentes e não sabemos como conviver com tais diferenças. O mundo evolui para pior. Evolução, fracasso do século XX, estampado nas condições climáticas, nos avisos de catástrofes naturais. A chuva cai em demasia, a alimentação fica mais cara, a inflação reina, o colapso financeiro se aproxima. Os grandes impérios sentem o peso de serem grandes impérios. Os auto-sustentáveis descobrem que são fracos e dependentes. O efeito borboleta ganha vida, todos estamos interligados por algum motivo, alguma sensível linha que eclode o big bang particular, vivificando seu universo paralelo. A selva de pedra estampa com luzes em neon o cenário desértico da nossa vida. O povo esquecido por Deus, molestado pelos homens e indecifrável, emudecido com tanto a se falar. A ignorância é privilégio de muitos, fui amaldiçoado por pensar em demasia. Preso na minha liberdade. Eu escolhi ser um Tuareg, pois não seria um bom hipócrita.
É estranha a sensação de solidão, a sensação de dar boa noite sem resposta, mas é algo adaptável e suportável, e eu... bem... eu escolhi essa vida.

10 de jan. de 2008

Paralelas Não Se Cruzam

Esse lugar me sufoca. Ele me agride a cada palavra pronunciada. Ele me engana a cada gesto pensado friamente para me iludir. Ele inebria meus sentidos. Ele me deixa temporariamente insano.
Eu quero gritar, mas não posso. Gritar seria expor os sentimentos que eu quero manter imersos em tinta nanquim. Escondidos, afastados, escoados da mente, sub-julgados pelo rancor, pela consciência, pelo remorso.
Seu silêncio me condena, sua indiferença iníqua me asfixia, me torna ignóbil. Me sinto torpe, enojado da minha própria fraqueza.
A retidão da sua indelicadeza, a sutileza das seus impropérios me tornam um mau agouro, um lânguido aos olhos da morte, um crédulo perante o santo emudecido. Minha ingenuidade me abate, e seria ingênuo acreditar que a ingenuidade é passageira. É parte do caráter, da índole, sou inerente à ela. Como sou inerente a você, por mais que eu tente me enganar dizendo ser auto-suficiente.
Sinto o cansaço nos meus ossos, sinto o tempo que se passa e não retorna, as oportunidades únicas, os barcos que não ancorarão mais no cais raso que machuca o casco.
E esperança está se exaurindo a conta gotas, a cada lágrima derramada e a cada pequeno furo delicado de agulha que não machuca, mas arde, incomoda, até que se torna insuportável. Os risos ficam depauperados, o olhar cansado e desgostoso, quero uma noite de sono de cinqüenta horas ininterruptas. Quero não pensar, mas me pego conversando, como se estivesse ao meu lado.
Como nossa felicidade é ignorante, ela vem apenas de quem nós queiramos que ela venha. Como se todas as outras fossem apenas os trailers do filme principal, mesmo que não goste do filme. Você imuniza a alegria, corrompe a felicidade, ignora a necessidade de sorrir e a hipocrisia que você desmantela, retorna e me assombra.
Você é o ponto de convergência da minha vicissitude, do meu revés, mas você não dá importância. É tudo tão singelo, tão primitivo.
É meu júbilo e meu infortúnio. Me afoga para me salvar. Me joga para me agarrar. Me julga errado para me perdoar. Tem o domínio da situação. Me encanta com a naturalidade materna, me convence como um orador profissional, me infecta com alegria, depois me esteriliza com uma infinidade de inverdades e supressa minha ilusória e eterna esperança de um final feliz.
É difícil entender algo simples porque nos recusamos a não exceder nossa capacidade de aprendizado, nós nascemos para o sofrimento, para obter uma alegria excessiva. Endorfina pura, que é liberada ao cérebro para bel prazer. A luxúria do egoísmo humano. A dor do parto cria vida, a saudade é um capacitador do reencontro, menos a morte. Perder algo para sempre não tem graça. E não falo da morte física, é a morte em todos os sentidos. A morte da sua moral, da sua dignidade, da sua integridade, do seu sucesso, das suas virtudes, a morte do seu amor.
Estou cansado de respirar fumaça, de respirar por aparelhos, de pigarrear, de não reconhecer mais meus passos e pisar em falso todas as vezes em que você me leva para caminhar, de não entender a inverdade das suas palavras e de estabelecer padrões de comportamento para que você goste de mim.
Por que devo me preocupar com o que você acha?
Por que deixo me enganar por você?
Por que ainda me entristeço com suas ofensas e seu desleixo?
Como são raros os momentos de alegria, como invejo os eternamente felizes, os contentes, os casados, os que amam, os que ambicionam, os que sorriem.
É tão lacônico nas palavras que parece querer deixar transparecer o desinteresse, falta de atenção é falha de quem não quer mais e falta de educação é falha quem não mais suporta. Me olha com tanto desdém que a mesmice alimentou e recusou-se a notar que desinteresse engordava até saturar as veias e entupir os canais.
Somos como dois estranhos que se conhecem tanto. Duas vias paralelas, que se olham, se conversam, mas incapazes de se unir. Definitivamente, paralelas não se cruzam. Não há mais liga, não há elo de ligação, não há laços, pois não há vantagem em haver laços. Nos importamos com o exterior quando o interior está deteriorando. Transbordamos nossa paciência. Quando um sussurro emana um barulho ensurdecedor, tudo se torna uma desculpa para não avançar. Então paramos. Cessaram as palavras, os assuntos, os interesses. Nada mais é contemplado. Nada mais é dividido.
Mas podemos nos lembrar dos bons momentos, das histórias que merecem ser contadas, das peculiaridades que nos intrigam e que amanhã nos trarão saudade.
Nos gostaremos sempre a uma distância segura, onde não ousaremos ultrapassar as linhas impostas pelo bom-senso, nossa zona neutra.
As vezes sinto que o sofrimento que você me trás faz mais falta do que a alegria que alguém possa me dar. Você é o sentido, a fonte inspiradora, a resposta. E acabamos nos perdendo.
Satirizemos nosso martírio despistando nossos sentimentos e priorizando o que não é necessário.
Eis que a vida é feita de fatos e que sonhos são apenas sonhos, pela manhã acordamos e nem lembramos para não ficarmos magoados.
E mesmo sabendo de tudo isso, e aceitando tudo isso, esse lugar ainda me sufoca.

8 de jan. de 2008

E se?

E se...?

E se hoje...?

E se hoje você ficasse?

E se hoje não acabasse?

E se hoje você se divertisse?

E se hoje você vivesse o hoje?

E se hoje você pulasse na cama?

E se hoje você não fosse embora?

E se hoje você chorasse de tanto rir?

E se hoje você esquecesse da raiva?

E se hoje você visse o nascer do sol?

E se hoje você se esquecesse de ontem?

E se hoje você desabafasse com alguém?

E se hoje você contemplasse as estrelas?

E se hoje você não penteasse os cabelos?

E se hoje você tivesse vontade de me ver?

E se hoje você assistisse desenho animado?

E se hoje você convidasse alguém para entrar?

E se hoje você vivesse o último dia de sua vida?

E se hoje você fizesse alguém feliz sem enganá-lo?

E se hoje você colocasse a música no som mais alto?

E se hoje você não se preocupasse tanto com o amanhã?

E se hoje você apertasse minha mão ao invés de soltá-la?

E se hoje você não fechasse os olhos com nada resolvido?

E se hoje você nadasse de calça jeans e camiseta na praia?

E se hoje você não se importasse com a ressaca de amanhã?

E se hoje você faltasse ao emprego e brincasse de cabular aula?

E se hoje você visse o tempo como um detalhe sem importância?

E se hoje você estourasse pipoca e assistisse um filme com os amigos?

E se hoje você pedisse desculpas ao invés de ir com remorso para casa?

E se hoje você acordasse com um sorriso ao invés de bocejar com sono e mau humor?

E se hoje você gritasse na varanda sem se preocupar com o que os vizinhos pensarão?

E se hoje você vivesse como alguém que vive a beira da morte curtindo cada pedaço da vida?

E se hoje você ficasse parado na cama, evitando ao máximo se mexer, e tentasse ouvir o que só o silêncio pode lhe falar?

E se hoje você deixasse a inveja de lado e congratulasse seu companheiro de trabalho que, convenhamos, trabalhou melhor que você?

E se hoje você telefonasse para seu amigo que não vê há séculos ou para alguém que você sabe que espera sua ligação?

E se hoje você falasse “eu te amo” sem pensar nas conseqüências que esse “eu te amo” lhe causará?

E se hoje você se esquecesse das contas a pagar, dos planos feitos e jantasse fartamente?

E se hoje você desse uma risada mais alta e chamasse a atenção da mesa ao lado?

E se hoje você falasse “bom dia” ao invés de esperar com toda gana o “boa noite”?

E se hoje você deixasse a preguiça de lado e corresse por ai até suar?

E se hoje você roesse as unhas sem se importar com o esmalte?

E se hoje você faltasse ao dentista e fosse andar de bicicleta?

E se hoje você não se importasse com o aquecimento global?

E se hoje você me dissesse o que eu quero ouvir há tempos?

E se hoje você chorasse para não ter que chorar amanhã?

E se hoje você olhasse para o céu da janela da sua casa?

E se hoje você assistisse o filme que tem tanta vontade?

E se hoje você não planejasse nada além de dançar?

E se hoje você roubasse um beijo da pessoa amada?

E se hoje você deixasse o carro e fosse de bicicleta?

E se hoje você fizesse um bate-volta na praia?

E se hoje você não tomasse seus remédios?

E se hoje você pudesse realizar seu sonho?

E se hoje você deixasse de perder tempo?

E se hoje você dançasse no meio da rua?

E se hoje você lesse um livro até o final?

E se hoje você apertasse a minha mão?

E se hoje você arriscasse suas fichas?

E se hoje você tentasse ouvir alguém?

E se hoje você aproveitasse a vida?

E se hoje você visse o pôr-do-sol?

E se hoje você confiasse em mim?

E se hoje você perdesse o medo?

E se hoje você tomasse chuva?

E se hoje você fosse feliz?

E se hoje você vivesse?

E se hoje...?

E se...?