
Depois de uma semana estafante, decidi não gastar o dinheiro que ganhei trabalhando a semana inteira. Decidi dormir cedo na sexta-feira, o cansaço veio a galope, os olhos pesados, apenas a luz da televisão quase inaudível e o som de carros e sirenes.
Estou sozinho em uma cama de casal. Sei que meu cabelo está desarrumado, mas ninguém verá.
É sábado, uma feia, fria e nublada manhã de sábado. Ligo a televisão, desligo em seguida, nada presta. Tomo um bom copo de leite, pego uma faca e corto o pão que comeria, me cortei. Um corte fino e sem relevância. Quase imperceptível. Chupei o sangue que escorreu. Comi o pão. Tomei um bom banho. Correria se pudesse, mas a chuva não deixou.
Voltei para a cama de casal. Abri os braços e as pernas, fiquei imóvel. Imóvel até meus braços formigarem. E eu tentei me ouvir. Buscava um mundo novo em algum lugar. Ouvir minha alma. Minha consciência.
Olhei para o teto, um teto simples de cor branca. Mas o branco não é simples, engana-se quem pensa assim.
Olhe para algo branco e diga o que você vê. Branco? Não limite sua percepção. Olhe além. Pare de ver. Enxergue. Usufrua da sua imaginação, da fertilidade da sua mente. Se coloque no branco. Não tão simples assim.
Gostamos de ser ludibriados, o engodo faz parte da nossa natureza. A mentira necessária é mais prazerosa que a verdade justa.
O branco me remeteu a neve. Estava andando na neve. Você a vê? Ande, caminhe, pule, brinque, olhe os flocos de neve caindo sobre você. Você está sorrindo, está fazendo parte de algo especial. Percebi que estar com você é como caminhar na neve. Eu sempre me esforçava para caminhar, era prazeroso, novo, bonito, empolgante, recompensador. Mas com o tempo você vai se cansando. Cansa de se molhar quando a neve derrete sobre suas roupas, cansa de erguer as pernas se esforçando para ir mais rápido, cansa de respirar o ar gelado apenas para contemplar algo que começa a perder a graça. A neve é linda, mas é água em estado sólido. É uma escultura de gelo, tem data de validade, tem prazo de vida. A neve se torna um estorvo para sua locomoção, para suas atividades, ela fica cansativa e embaraçosa. Você não faz mais bonecos de neve, você não a contempla mais, você não olha com encanto os flocos de neve caindo ao seu redor. Você só encara a neve quando é necessário. E quando pode, você pega uma pá e retira a neve do seu caminho, você a evita, a rejeita, suplica por seu sumiço de livre e espontânea vontade. Eu era a sua neve. Que insistia em cair em sua cabeça e não ligava de ser sacudida. Que molhava a sua roupa para ser lembrada. Que fazia suas paisagens ficarem maravilhosas, mas você não olhava mais para fora. Você poderia ter falado: “Pare de cair”. Mas você não falou. Você ainda sorria quando a neve caía, quando via bonecos de neve e imagens dignas de um cartão postal. Você era capcioso e eu caí na sua armadilha. Sua boemia era minha degradação. Seu sorriso era minha perdição. Sua verdade era minha verdade.
Olhando para o branco eu entendi, nós não gostamos de ser simples. Nós queremos ser complexos. Nós não queremos ser compreendidos em cinco minutos, nós queremos ser surpreendidos a cada segundo. Nós não gostamos de ser exatos, nós queremos variáveis.
A diferença entre educação e grosseria não está em “o que se fala”, mas em “como se fala”. Mas a verdade é que a diferença entre a verdade e a mentira está em como se ouve. Dizer “eu te amo” a um apaixonado não é como dizer “eu te amo” a um affeur. O resto do rico é o tudo do miserável. Manter um relacionamento é como segurar um punhado de areia, se deixar muito aberto ele voa, se apertar demais ele escapa entre os dedos. Essas são nossas variáveis. Nosso cálculo matemático indecifrável. Nossa matéria odiada e indispensável. Os resultados nunca são iguais.
O que lhe custava ser honesto? O que lhe custava ter uma postura madura? O que lhe custava usar palavras simples?
Infelizmente não foi você quem errou. Eu fui direto, ansioso, impreciso. Não impressionei, não cerquei as possibilidades, não dei margem para discussão. Quando se defronta com a liberdade, entra-se em um jogo perdido.
Um laço de presente é apenas uma fita em linha reta. Você molda aos poucos e de forma branda, sem alardes, sem cobranças. Caso não de certo, pega a mesma fita, ou outra, e tente novamente, sem que o presente perceba, ele está lá, preso, mas belo e consentido da sua posição.
Peguei no sono.
Acordei horas mais tarde. Olhei para o lado, para as paredes, a televisão desligada, o armário, o criado-mudo, ouvi a chuva que continuava caindo e alguns raios que refletiam nas paredes, hesitei, mas decidi olhar para cima. Olhei para o branco do teto e percebi como nossa visão é limitada. Como nós preferimos ver aquilo que está a nossa frente, aquilo que queremos. O branco não existe. O branco é, na verdade, a união de todas as cores. Mas é mais fácil perceber o branco. Não enxergo mais o branco. Tudo é branco e nada é branco.
Me levantei mais calmo, mais relaxado. No decorrer do dia, sentia arder o pequeno corte, aquele corte de faca quando fui cortar o pão, pois não era como um corte grosseiro que faz alarde e nós estancamos. Era um fino corte, que aos poucos se torna irritavelmente inconveniente. A irritabilidade das coisas simples, pequenas e repetitivas.
Não foi um corte profundo, não foi um corte grave. Foi um corte delicado, mas um corte delicado sangra do mesmo jeito.
Estou sozinho em uma cama de casal. Sei que meu cabelo está desarrumado, mas ninguém verá.
É sábado, uma feia, fria e nublada manhã de sábado. Ligo a televisão, desligo em seguida, nada presta. Tomo um bom copo de leite, pego uma faca e corto o pão que comeria, me cortei. Um corte fino e sem relevância. Quase imperceptível. Chupei o sangue que escorreu. Comi o pão. Tomei um bom banho. Correria se pudesse, mas a chuva não deixou.
Voltei para a cama de casal. Abri os braços e as pernas, fiquei imóvel. Imóvel até meus braços formigarem. E eu tentei me ouvir. Buscava um mundo novo em algum lugar. Ouvir minha alma. Minha consciência.
Olhei para o teto, um teto simples de cor branca. Mas o branco não é simples, engana-se quem pensa assim.
Olhe para algo branco e diga o que você vê. Branco? Não limite sua percepção. Olhe além. Pare de ver. Enxergue. Usufrua da sua imaginação, da fertilidade da sua mente. Se coloque no branco. Não tão simples assim.
Gostamos de ser ludibriados, o engodo faz parte da nossa natureza. A mentira necessária é mais prazerosa que a verdade justa.
O branco me remeteu a neve. Estava andando na neve. Você a vê? Ande, caminhe, pule, brinque, olhe os flocos de neve caindo sobre você. Você está sorrindo, está fazendo parte de algo especial. Percebi que estar com você é como caminhar na neve. Eu sempre me esforçava para caminhar, era prazeroso, novo, bonito, empolgante, recompensador. Mas com o tempo você vai se cansando. Cansa de se molhar quando a neve derrete sobre suas roupas, cansa de erguer as pernas se esforçando para ir mais rápido, cansa de respirar o ar gelado apenas para contemplar algo que começa a perder a graça. A neve é linda, mas é água em estado sólido. É uma escultura de gelo, tem data de validade, tem prazo de vida. A neve se torna um estorvo para sua locomoção, para suas atividades, ela fica cansativa e embaraçosa. Você não faz mais bonecos de neve, você não a contempla mais, você não olha com encanto os flocos de neve caindo ao seu redor. Você só encara a neve quando é necessário. E quando pode, você pega uma pá e retira a neve do seu caminho, você a evita, a rejeita, suplica por seu sumiço de livre e espontânea vontade. Eu era a sua neve. Que insistia em cair em sua cabeça e não ligava de ser sacudida. Que molhava a sua roupa para ser lembrada. Que fazia suas paisagens ficarem maravilhosas, mas você não olhava mais para fora. Você poderia ter falado: “Pare de cair”. Mas você não falou. Você ainda sorria quando a neve caía, quando via bonecos de neve e imagens dignas de um cartão postal. Você era capcioso e eu caí na sua armadilha. Sua boemia era minha degradação. Seu sorriso era minha perdição. Sua verdade era minha verdade.
Olhando para o branco eu entendi, nós não gostamos de ser simples. Nós queremos ser complexos. Nós não queremos ser compreendidos em cinco minutos, nós queremos ser surpreendidos a cada segundo. Nós não gostamos de ser exatos, nós queremos variáveis.
A diferença entre educação e grosseria não está em “o que se fala”, mas em “como se fala”. Mas a verdade é que a diferença entre a verdade e a mentira está em como se ouve. Dizer “eu te amo” a um apaixonado não é como dizer “eu te amo” a um affeur. O resto do rico é o tudo do miserável. Manter um relacionamento é como segurar um punhado de areia, se deixar muito aberto ele voa, se apertar demais ele escapa entre os dedos. Essas são nossas variáveis. Nosso cálculo matemático indecifrável. Nossa matéria odiada e indispensável. Os resultados nunca são iguais.
O que lhe custava ser honesto? O que lhe custava ter uma postura madura? O que lhe custava usar palavras simples?
Infelizmente não foi você quem errou. Eu fui direto, ansioso, impreciso. Não impressionei, não cerquei as possibilidades, não dei margem para discussão. Quando se defronta com a liberdade, entra-se em um jogo perdido.
Um laço de presente é apenas uma fita em linha reta. Você molda aos poucos e de forma branda, sem alardes, sem cobranças. Caso não de certo, pega a mesma fita, ou outra, e tente novamente, sem que o presente perceba, ele está lá, preso, mas belo e consentido da sua posição.
Peguei no sono.
Acordei horas mais tarde. Olhei para o lado, para as paredes, a televisão desligada, o armário, o criado-mudo, ouvi a chuva que continuava caindo e alguns raios que refletiam nas paredes, hesitei, mas decidi olhar para cima. Olhei para o branco do teto e percebi como nossa visão é limitada. Como nós preferimos ver aquilo que está a nossa frente, aquilo que queremos. O branco não existe. O branco é, na verdade, a união de todas as cores. Mas é mais fácil perceber o branco. Não enxergo mais o branco. Tudo é branco e nada é branco.
Me levantei mais calmo, mais relaxado. No decorrer do dia, sentia arder o pequeno corte, aquele corte de faca quando fui cortar o pão, pois não era como um corte grosseiro que faz alarde e nós estancamos. Era um fino corte, que aos poucos se torna irritavelmente inconveniente. A irritabilidade das coisas simples, pequenas e repetitivas.
Não foi um corte profundo, não foi um corte grave. Foi um corte delicado, mas um corte delicado sangra do mesmo jeito.
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