25 de abr. de 2008

Falta de Oxigênio

Inspire com força. Sinta o cheiro do ar fresco. O ar fresco dos jovens, destemidos, donos de suas escolhas e de seu destino. Donos das suas certezas e de suas dúvidas. Donos dos seus medos e anseios, das suas decisões que refletirão pelo resto de suas vidas.
Inspire com força. Sinta o cheiro da liberdade. A liberdade que temia em lhe fugir pelas frestas dos dedos, podada por meios variáveis que determinavam os “fins”, previsíveis e infelizes. Chamem-me mais uma vez de previsível. Chamem-me mais uma vez de infeliz. Estarão errados. Quando falei o “não”, o “sim” honrou minha confiança e abriu as portas da minha percepção para que eu visse que o mundo gira e nós giramos com ele, somos um só, apenas um, entre os 6 bilhões e meio de “sós”, donos das nossas escolhas e autores da nossa própria história. Os outros são retalhos complementares, nossa liga, nosso elo, nossa motivação. Somos nós e apenas nós. Somos jovens e somos egoístas. No nosso egoísmo está a sensação mais sublime e verdadeira da liberdade. Liberdade é egoísmo. É o nirvana. A sensação máxima de poder em que não há perplexidade e não há limites.
Inspire com força. Sinta o cheiro do alívio. O alívio de poder executar o que não estava previsto, de olhar em volta e não se importar com o que as pessoas estão pensando sobre a sua opinião. O alívio de não ouvir os formadores de opinião para obter a sua através da observação, do pensamento, do estudo, e não através da osmose.
Osmose, o mal do século é a osmose. Somos tão dependentes das opiniões alheias que esquecemos das nossas. Precisamos seguir tendências, nos preocupar com a aparência, com a moda, com o medo, perdemos a personalidade individual e adotamos a personalidade coletiva. Sim, somos massificados, somos globalizados, somos 6 bilhões e meio de “um”. Somos tão politicamente corretos que o apolítico se torna amoral, que o incorreto se torna uma bestialidade. A osmose corrompe o livre-arbítrio. Osmose é a herança dos preguiçosos.
Inspire com força. Sinta o cheiro da felicidade. Felicidade que aquece, que inebria, que envolve, que anima, que engana. Felicidade é uma dádiva dada à aqueles que aprendem a fechar os olhos, que não se importam com o resto, como o todo. A visão holística é apavorante. Não se pese na balança, é impossível prever os resultados daqueles que conseguem enxergar a verdade por trás da cortina de fumaça que se forma para cegar a massa. Somos a massa, somos o povo, a maioria de cérebros lavados por décadas de propagandas. Platão é apenas um querendo sair da caverna, com tantos outros querendo que você permaneça lá dentro. E a caverna não é mais escura. Ela é toda decorada, com uma televisão que lhe entretém, ao mesmo tempo em que lhe amedronta e conta como lá fora é escuro, sombrio e perverso. Às vezes você espia pela janela, e avista outras janelas, mas sabe que nunca chegará as melhores cavernas, e se contenta em manter a atual. Suas preocupações fúteis são criadas para deteriorar seu tempo. Seu emprego, suas contas, seu carro, seu aluguel. Se alguém se joga nos trilhos do metrô a sua primeira preocupação é a de não atrasar o seu compromisso, seja ele qual for. Quem se importa com o nome do pobre diabo que resolver dar cabo da própria vida? Será que ele colocou os pés para fora? Será que deixaram a porta aberta?
Inspire com força e sinta o cheiro da banalização. A banalização que faz com que o ser humano se torne adaptável. Cheire o fedor da sujeira acumulada, você se adapta. Cheire a fumaça cinza que torna o pulmão pútrido, você se acostuma. Não resolvam o problema da emissão de CO², inventem perfumes melhores, purificadores de ar. As alternativas pequenas se tornam soluções, o provisório se torna permanente, o ilusório se torna real. Se acostume com a violência, a miséria, a fome, e vejo o lado humorístico das coisas. Assim é mais fácil se enganar. Se engane cada vez mais, banalize a tudo, como uma anestesia a dor da verdade que lhe cerca. Estamos todos morrendo um pouquinho por dia. Você não se dá conta que está matando também? Seu cigarro, seu desodorante, seu carro, sua comodidade, sua preguiça.
Inspire com força. Sinta o ar fresco. Hoje ele é raro, ou melhor, em extinção. Touradas e rodeios para sua diversão. Grandes casacos de pele para sua luxúria e vaidade exacerbadas. Façamos um brinde ao legado de nossa incapacidade de solidariedade. Culpe a natureza, afinal, ela que dividiu a Terra em continentes. Gaia, sádica-maldita, por sua culpa nos tornamos diferentes na aparência, semelhantes apenas na estrutura. E agora nos pune com ondas gigantes, degelo, aquecimento global, clima instável. Só porque mutilamos o curso natural. Mas somos homens, pensamos, evoluímos.
Inspire com força. Sinta o cheira da diferença. Apenas 2% nos difere dos chimpanzés. Nós nos matamos por egoísmo, nos traímos por bel prazer, nos adaptamos ao final dos tempos, somos incapazes de viver com diferentes e, mesmo assim, temos a coragem de nos considerarmos os “racionais”.
Somos seres humanos míopes. Onde estão os óculos da razão, da sensibilidade, da beleza, da humildade, da solidariedade? Onde esconderam nossos óculos? Estamos cegos pelo próprio orgulho. Somos como rãs em uma panela. Cozinharemos pouco a pouco sem percebermos e, de repente, tudo cai. Protejam-se, pois isto é apenas a ponta do iceberg, e ele está descongelando.
Inspire com força. Sinta o cheiro inconveniente da verdade. A verdade que sufoca, que aprisiona, que incomoda a vista e lacrimeja os olhos. A verdade que repele o senso-comum, que faz com que pensemos nas coisas como elas realmente são. A verdade que tira o véu da educação, pois a educação nos reprime, nos direciona, influencia nossas idéias, nos priva da originalidade, faz com que tomemos atalhos, e pouquíssimos retornam para desbravar nossos caminhos. Acomodem-se meros espectadores, acomodem-se confortavelmente no sofá e aguardem, aguardem a história ser feita e grandes homens nascerem e morrerem. Aguardem enquanto definem o curso da sua vida. Aguardem enquanto pequenos homens criam grandes histórias em epopéias contemporâneas com heróis anônimos e vilões conhecidos, onde o mal triunfa porque o bem não está adormecido, ele está contaminado, moribundo, um morto-vivo, respirando por aparelhos.
Inspire com força. Sinta o cheiro da vitória. A vitória que nos torna importantes, reconhecidos, que nos dá um espasmo de felicidade, que demonstra nossos sucessos, nossas virtudes e determina nosso futuro. Amaldiçoados os derrotados, os perdedores. Onde largam vinte, dezenove são esquecidos. A vitória é justa com os talentosos e injusta com os esforçados. A vitória que alegra é a mesma que vicia e corrompe, a mesma que gera intolerância. A incapacidade de se alegrar com a conquista alheia e apenas decepcionar-se com o insucesso. Vencer é bom, mas perder é um estímulo para prosseguir.
Acredito que formemos nossa personalidade conforme nosso habitat, mas porque não o questionamos, ou melhor, porque o questionamos em voz baixa? Talvez seja pela preguiça em procurar uma resposta. Nossa preguiça não nos deixa pensar, apenas questionamos em busca de uma resposta pronta, de uma fórmula mágica que resolva nossos problemas. As palavras nem sempre são aquilo que você gostaria de ouvir. É escuro o túnel que a vida produz, e nunca encontramos a luz, mas por que paramos de procurar? Cansamos? Será que descobrimos que fomos nós que a apagamos?
Inspire com força. Sinta o cheiro da evolução. Evoluímos nossas máquinas e desenvolvemos o desemprego. Evoluímos nossas defesas contra as pragas e criamos agrotóxicos. Evoluímos nosso poderio bélico e criamos bombas nucleares. Evoluímos nossa educação e criamos o falso moralismo. Evoluímos nossa comunicação e criamos barreiras invisíveis como preconceito, favorecimento, riquezas, divisas. Evoluímos nossa alimentação e desenvolvemos a fome. Evoluímos nossas praticas de artesanato e exterminamos os recursos minerais. Evoluímos nosso transporte e exterminamos o petróleo, o ar, a água. Esquecemos de evoluir os sentimentos humanos que realmente importam e desenvolvemos outros, que nos recusamos a pronunciar como preguiça, inveja, ira, gula, vaidade, luxúria. Os sete pecados capitais foram inventados pela nossa incapacidade de notar a felicidade simples e verdadeira. Nossos métodos são destrutíveis e irreversíveis. Nossa felicidade tem prazo de validade e ele está se extinguindo. A evolução condena. Evolução e regressão, não são antônimos.
Inspire com força. Com mais força. O ar está ficando rarefeito, denso, pesado... respire... respire... não desista... respire... evolua... respire... respire...

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