
Imagine-se em um labirinto, um labirinto de paredes cinzas, com um chão frio, com seus azulejos cinzas. Ande por ele, não tenha medo, o cinza é cinza, é apenas uma cor, continue andando, descompassado, não tem problema, siga seu ritmo, ande com força ou com delicadeza, ande atencioso ou disperso, não se preocupe, repito, apenas ande.
Olhe para cima, o céu está cinza, o sol está lá, mas você não vê.
Continue andando, sem rumo, apenas siga o seu instinto, não se preocupe que este labirinto tem um final, mas não siga a lógica, não siga o curso natural das coisas, deixe o seu instinto e a sua intuição fluírem, siga o cinza, sem lados, sem chão, sem céu, cinza, cinza e mais cinza.
Imagine suas roupas cinzas e você se misturando a todo aquele cenário. Sinta toda a perfídia se dispersando em todo mundo, por igual, sem lados, sem objetivos, sinta que você está se libertando dos grilhões, se libertando das admoestações de conceitos pré-estipulados de certo e errado, estipulados por alguém que se tornou cinza. Sinta a calma, a tranqüilidade, esqueça um pouco da correria da vida moderna, da correria da sua vida que lhe impõe horários, discos rígidos, posturas, vestimentas. Somos tão livres e tão presos, presos na nossa própria liberdade, injustiçados pela nossa própria justiça, que gera a iniqüidade, o excesso. Somos vitimas e a solução dos problemas que nós mesmos criamos, somos uma centelha em um fogaréu, mas para transformar nada em fogaréu, só precisamos de uma centelha. Reclamamos do bolor quando sabemos que ele é quem avisa que o tempo já se foi, é o câncer dizendo que há algo de errado, é a vida dizendo que morte está chegando.
Sorria enquanto tem dentes, penteie enquanto o cabelo ainda cresce, viva enquanto ainda se é jovem, feche os olhos enquanto ainda acorda, chora enquanto seu coração ainda é inocente, fique irado enquanto achas que pode mudar o mundo, sonhe enquanto sua imaginação ainda não se atrofiou. Ande enquanto ainda há labirinto. Não fique parado, não adianta olhar para trás, também é cinza, como na frente, como dos lados, como embaixo, como em cima, como sua roupa, como sua pele pálida, como seu sangue congelado, como sua boca seca, como seus olhos sem vida.
Lembre-se, enquanto anda, de sua vida quando era mais jovem, lembre-se dos bons momentos vividos, lembre-se como você era feliz e duvidava, de como era satisfeito e a satisfação não o satisfazia, de como era complexa a simplicidade da vida e como a complexidade o faz querer ser simples, de como você quer apressar o tempo quando se é jovem e de como se quer parar o tempo quando se é velho. Ande, continue andando, e note que atrás de você, sim, nas suas costas, coloque as mãos para trás, sente? Sim há um boldrié para a fixação da corda que há em você. Uma corda fina, quase imperceptível, mas muito resistente. Olhe para trás, pode olhar, mas não ande para trás, você não consegue, você só anda para frente. Está vendo? Você está andando, serenamente. Certamente você pouco se lembra do que você pensou quando começou a andar por esse labirinto, correto? Não tem problema, foi proposital, as coisas tendem a surgir naturalmente, mas continue andando, abra os olhos, note tudo a sua volta. Pouco a pouco você vai notando que o cinza possui nuances. Sim, cinza claro, cinza escuro, cinza fosco, cinza metálico.
Você está preparado, comece a pisar mais forte e mais apressado, arrisque um pouco de cor. Imagine as paredes verdes, mas saiba que elas são cinzas, mas só estamos pensando, correto? Vamos, jogue o verde nas paredes, o abóbora nos pés, o azul no céu, vista roupas coloridas, enfeite o caminho.
Agora assopre, e dissipe toda a névoa que ficava a sua frente, deixe que seus olhos não apenas olhem, mas que eles vejam, que enxerguem de fato toda a beleza que você realiza em sua mente, em sua jornada pelo labirinto, ande, ande, ande. Já estamos acabando.
Comece a ver outras pessoas, comece a interagir, a conversar, a fazer amor, a dar “oi” e “adeus”, cumprimente, discuta, sinta-se vivo, mas nunca pare, faça tudo isso andando, não importa que tudo é cinza, para você é colorido.
Olhe mais adiante, veja que o cinza retorna, ele sempre retorna, mas olhe ao seu redor, pessoas felizes, cores felizes, sim, veja só, você está no labirinto e as folhas estão todas nas árvores carregadas de frutos, o céu está brilhando, os pássaros cantando e as pessoas felizes.
Por que?
Por que você está parado?
Não pare, continue andando, é obrigatório, por mais que você brigue contra, o labirinto começa a te empurrar, ele vai acabando, eu disse para você não olhar para trás. É cinza, mesmo onde você acabou de passar é cinza.
Pare de tentar brigar contra o labirinto, para que toda essa força?
Seus pés estão se machucando, pois você tenta segurar a parede. É inútil. Olhe do seu lado, muitas pessoas, quase todas as pessoas fazem o mesmo e se esquecem que poderiam estar correndo através do labirinto colorido, mas vocês preferem o pior lado, o pior jeito. Maldito livre arbítrio, para que desperdiça o tempo tentando evitar o inevitável, tentando transpor o intransponível, para que fere os pés no calcário se pode correr na grama, na areia?
Por que o conformismo é confundido com preguiça? Por que a falta de vontade não pode ser encarada como vontade de não fazer nada? A eterna incongruência.
Notou quanto tempo você demorou para perceber que não é possível? Para ver que você abriu os olhos para as dúvidas e fechou os olhos para a felicidade? Você tem medo de ser feliz. Medo de que sua vida perca a procura, que não tenha mais objetivos, próprio do ser humano. A procura acaba e, ao invés de gozar da felicidade, procura outro objetivo. A busca incessante.
Agora está tudo cinza, não resta mais nada além de continuar percorrendo. Esqueça as paredes coloridas, foque o cinza, Apenas o cinza. Você ainda está caminhando, mesmo que obrigado, está respirando por aparelhos, está na sobrevida, nos últimos suspiros da caminhada do labirinto.
Olhe ao fundo, olhe a luz. Você poderia parar de ler o momento que você quisesse, a maioria parará, por medo, por falta de vontade, por não achar a mínima graça, mas você está aqui. Chegou ao fim da linha, o final do labirinto a sua frente.
Agora, rapidamente, tente se lembrar de tudo o que você fez até chegar aqui. Das suas paradas forçadas, das suas escolhas mal feitas, dos seus insucessos, das suas virtudes, dos seus amigos. Valeu a pena? Será que tudo valeu a pena? O que faria se entrasse novamente neste labirinto acinzentado?
Agora imagine um clarão, bem forte, e por fim, veja o que você quiser ver. Você acaba de morrer.
3 comentários:
O medo das escolhas sempre nos faz escolher o caminho mais fácil... por fim, o cinza prevalece, mas, como vc disse, os olhos podem colorir a frieza daquilo que está se vendo.
Texto muito bonito, emocionante e que faz a gente pensar, bom, pelo menos eu sinto que tenho muito a pensar... ou na vdd, mto a sentir.
parabens
Tenha um dia cor de laranja, eh o que todos nos te desejamos!!!
É preciso ter coragem de enfrentar o medo de nossas escolhas... Se iremos sofrer ou nao, ninguem sabe, mas somos donos de nossos caminhos... e podemos escolher o cinza que mais nos agrada rsrs...
muito bom esse texto...
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