19 de dez. de 2007

Flor de Lótus


Eu sei que eles estão bem. Mesmo de longe, mesmo escondido, ainda vasculho, ainda tento manter contato.

Qual o tamanho dos seus sacrifícios? Qual o tamanho das suas escolhas? Qual o tamanho das suas responsabilidades? Qual o tamanho das suas expectativas? Qual o tamanho da sua culpa? Qual o tamanho da cruz que você escolheu carregar?

Sete anos e já tinha tanta responsabilidade, era quem cuidava dos irmãos menores, da comida, da louça, da roupa, da televisão. Não viu a infância passar, não viu a necessidade de brincar. Brincava entre os afazeres, brincava entre as responsabilidades de gente grande. Sete anos, apenas sete, e calculava os horários, e brincava com os irmãos menores, e lembrava-se do almoço, e corria para pegar a roupa quando começava a chover. Estava cansado. Por que tanta responsabilidade para um garoto que merecia apenas se preocupar em tirar boas notas e rir a toa? Pensava no pai, sentia falta da mãe, era o pai e a mãe dos irmãos. Na sua cabeça ecoava apenas uma palavra: culpado.

Cinqüenta e seis anos, a vida ensinou-a a ser amarga, guiava seus negócios com mãos de ferro, tinha tudo em suas mãos, sua palavra era lei. Não gostava de ser contrariada, humilhava quem não gostava, achava que isso era status e promoção, o respeito através do medo, assumiu os negócios do marido e após um câncer que o levou e cá está ela, fria, serena, vivendo para a empresa e para seu filho, mal sabia que depois de cinqüenta e quatro anos, a mesma vida que o traiu tempo atrás, e o trouxe ao auge, voltaria a puxar-lhe as pernas e a deixar de joelhos. Foi um erro, uma falha, uma escolha. Certas coisas nós nunca desejamos a ninguém, nem ela desejou, nem ele, nem eu, são fatos que apenas acontecem, mas que estão interligados, que estão conectados de um modo ou de outro. Não é coincidência, nem destino, é causalidade. A causa e o efeito.

Vinte e oito anos, dois turnos, plantões, contas vencendo, três filhos para sustentar, o cabelo impecável, a roupa de um branco exímio, maquiagem equivalente à seriedade da profissão. Nada era fácil, casou-se grávida contra a vontade dos pais, morou em um fundo de casa que chamava de lar, e realmente o era, a família era pobre, porém estruturada. Seu marido trabalhava como segurança particular de uma das maiores empresarias do ramo de hotelaria. Ela acabou o curso de enfermagem e entrou em um dos mais renomados hospitais, envelheceu ao longo dos anos, mas conseguia conciliar as tarefas de casa e o trabalho externo, era mãe atenciosa, dedicada, sempre preocupada com os filhos, buscava os melhores colégios que o dinheiro podia comprar. Depois de dois anos de casada, deu a luz a gêmeos, não estavam nos planos, alto custo, ajuda dos pais e amigos fizeram sua vida se tornar mais apertada, filhos custam caro, dão trabalho, sugam nosso sangue e não prezam nosso suor. Filhos, a felicidade mais particular dos pais, a que mais orgulha e a que menos valoriza. Às vezes cachorros são mais agradecidos que os filhos. Circunstâncias de toda uma vida Você trilha o caminho dos filhos, até que ele descarrila. E então você se pergunta: Qual o tamanho das suas expectativas?

Vinte e dois anos, apenas vinte e dois anos e dependia de tudo e de todos, tinha o movimento do dedo indicador e o cérebro funcionando. Era nada e ninguém, era um cérebro em funcionamento sem forças para se locomover. Não foi sua culpa, não foi seu erro. Foi uma fatalidade. Hoje pensa como ninguém em como uma fração de segundos pode mudar sua vida. Aos vinte tinha tudo, aos vinte e dois, apenas aguarda, aguarda a ordem divina, ou a piedade humana. Seus olhos limitados enxergavam apenas onde alcançavam, sem ajuda externa, não poderia fazer nada. A sonda o mantinha alimentado. Havia tubos em seu pescoço, sua cama era reclinável, seu dedo acoplado ao botão. Sua diversão era chamar as enfermeiras que estavam ficando cansadas de tanto alarme falso.

Trinta e cinco anos e soube crescer na profissão, uma profissão de risco, é claro, mas ainda sim, uma profissão que se tornou rentável. O terno preto, a camisa branca, os indispensáveis óculos escuros, que escondem os olhos atenciosos a cada segundo. Quando ficou desempregado a única possibilidade que apareceu era essa, segurança. Tinha um filho para criar, decidira casar-se com sua atual esposa. Era um pai de família, precisou afastar-se e esquecer os tempos de boemia e dedicar-se a trabalhar, e muito. Sua esposa o ensinou a priorizar os estudos dos filhos, assim, sempre que podia trabalhava em turnos dobrados para complementar renda. Em três anos recebeu a oportunidade de ser promovido. E a aceitou. Virou chefe de segurança. Da segurança particular de uma das mais renomadas empresarias do ramo de hotelaria do país. Sim, é o pai de três filhos, sendo dois gêmeos que chegaram sem planejamento. A vinda dos gêmeos certamente foi uma motivação a mais para seu sucesso profissional. Era preciso ganhar mais. Trabalhou dobrado e dedicado, chamou a atenção da chefia, e na primeira oportunidade abraçou-a e cresceu. Foi seu primeiro grande salto na vida e o início da sua desgraça. Talvez conseguisse sustentar a família com um pouco menos, mas ganhava mais, bonificações, décimo terceiro, vendia as férias, horas extras.

Sete anos e quantas festas perdidas? Quantos “Dia dos Pais” e “Dia das Mães” sem representantes? Quantos natais com os vizinhos? E nesse em especial, quanta amargura. Nesse final de ano, passaria junto com sua mãe, no hospital, pois não tinha mais ninguém para a passagem. Seus vizinhos, parceiros de quase todos os anos, iriam viajar. Teria de passar a virada vendo sua mãe trabalhar, na recepção de um hospital. Quanta tristeza um hospital. Pessoas morrendo, sofrendo, sangrando, gritando, dormindo. As pessoas na recepção de um hospital são tensas, ásperas, esperançosas ou desesperadas. Os olhares atentos a cada porta aberta, a cada passo do enfermeiro ou do médico. As noticias são boas ou ruins, as reações são tristes ou felizes, é uma incógnita, é como se estivessem à porta do paraíso, com um grande juiz acusando ou libertando, dando uma segunda chance ou delimitando o fim da linha. Hospitais o davam medo. Eram sempre brancos, como um ritual, como uma coisa nobre, como uma purificação, a falsa paz, a falsa esperança na cor que demonstrava vida. Foi naquela recepção que ele viu uma senhora sentada. Chorando. Sozinha na noite de natal. Não havia mais ninguém apenas aquela senhora e aquele garoto.

Cinqüenta e seis anos, mal sabia que enfrentaria depois de tanto tempo de vida, sua fase mais depressiva. Tomava remédios para dormir, para enxaqueca, vitaminas, anti-depressivos, controladores de hormônio, dentre outros. Enfrentou a morte de seu marido e novamente a morte bateu-lhe a porta. Estava sozinha. Enfrentava a situação de frente, como uma rocha. Mas naquele dia desmoronou. Era noite de natal, estava ela com seu filho debilitado e, em partes, a culpa era sua. Seu filho movida um dedo e piscava, essa era toda a sua mobilidade. Era um dejeto humano, um vegetal com pensamentos, via aquele rapaz alegre e sempre festivo piscar os olhos tristes depois de um ano em coma. Seu filho, seu legado, seu único herdeiro, estava piscando e pedindo para ser “desligado”. Seus olhos pediam socorro. Era insuportável não chorar a cada quinze minutos. Era impossível se acostumar com tamanho descaso da vida humana. Pensava como Deus podia ter esquecido do seu filho. Se perguntava: por que? Estava prestes a tomar medidas drásticas. Estava desesperada.

Vinte e oito anos. Há dois levava a casa nas costas. Estava descrente da vida, descrente das pessoas, descrente de tudo. Envelhecera muito nesses dois anos, emagrecera terrivelmente, trabalhava no hospital e não se cuidava, não comia direito, esquecia dos filhos, sabia que faltava atenção para com eles. Mas quem lhe dava atenção? Todos os dias acordava com metas a serem cumpridas, com horas extras que complementariam sua pequena renda. Brigava por bolsas de estudo nas escolas, na creche, não via uma luz no fim do túnel, não sabia como faria para manter a casa, as contas, os estudos, a comida, a vestimenta, o material, a condução, a saúde. Seu marido não havia só perdido o emprego, mas perdeu também a liberdade. Seu querido marido, amável, afável, pai atencioso, amoroso participativo, em um surto de burrice, um espasmo de estupidez, mudou sua vida. Ela o odeia. Foi o responsável pela degradação não de apenas uma vida, mas de sete, contando com a dele. Eram sete pessoas interligadas por um momento de fúria. Ela dorme quando chega em casa, ela toma tranqüilizantes algumas vezes por semana, se auto-medicava, congelou sua vida. Não havia mais silencio suficiente, não havia mais calma. Ela era estressada, se incomodava com tudo, com o lugar ocupado no ônibus, com o lado esquerdo da escada rolante ocupado, com pessoas conversando alto, com o trânsito, com o excesso de zelo nas outras funcionárias com os pacientes, com seus filhos chorando, com alguém lhe contando o dia. Era problemática, era perturbada, desgastada. Se irritava freqüentemente com um paciente que teimava em apertar o botão de avisa a cada cinco minutos: “Minha vontade é a de quebrar o seu dedo, e deixar só os suas pálpebras funcionando.” As vezes, pensava isso, as vezes falava isso. Depois tinha remorso, mas o remorso passava quando era novamente atrapalhada pelo botão apertado. Odiava-o, como odiava seu marido.

Vinte e dois anos e se lembrava dos seus vinte anos, seu aniversário, decidiu comemorar como nunca, viajaria para o exterior em dois dias, era a viagem da sua vida, sua despedida Exagerou demais na bebida, desmanchou de sua namorada e ficou com cinco garotas aquela noite. Dirigiu bêbado, mas bem devagar, a pista era pequena e a toda hora precisava concertar o carro na faixa correta. Parou no sinal vermelho, olhou para o espelho, limpou os olhos vermelhos para conter o sono, estava há dois quarteirões de casa. Andou calmamente, a 20km/h. Não notou que o sinal estava fechado, não notou que vinha um outro carro há 140km/h, não notou que estava sem o cinto de segurança. Foi um milagre ter se salvado. Acordou um ano depois, movia as pálpebras, e o dedo indicador da mão direita.

Trinta e cinco anos, preso, condenado, culpado, e réu confesso. Não havia desculpas. Era condenado por uma tentativa de assassinato, criminoso e fichado. Sofria na cadeia com os maus tratos dos outros presos, vivia no inferno, não tinha contato com sua família, não tinha amigos, não tinha esperança, sairia de lá sem rumo, sem projeção, sem recuperação. suas cartas não tinham resposta, suas visitas eram inexistentes, não tinha mais família, não tinha mais contato, não procurava a família nos dias em que podia. Tinha vergonha de ter mudado o rumo das coisas, de ter feito tamanha bobagem. Lembrava-se de tudo como se fosse ontem e orava todas as noites para que o tempo voltasse e ele pudesse mudar o passado. Um erro, um único erro e mudou sua vida. Havia sido acusado injustamente de furto pela dona da rede de hotéis que o empregara e em quem depositou sua confiança. Não havia mais nada a se fazer, não havia como provar sua inocência, foi humilhado perante todos, rebaixado, demitido: - “Nunca mais trabalhará na vida”. – ouvia todo o dia estas palavras que mudaram sua vida. Queria matá-la. Pensou que merecia. Bebeu aqueles dias, brigou com sua esposa, saiu de casa e três dias depois fez algo que mudaria sua vida. Retornou a casa daquela mulher, com arma em punho resolveu que, se fosse acusado, seria acusado com motivos. Faria sim um roubo. Na calada da noite, ele conhecia sua rotina, seus hábitos, sua segurança que, mesmo reforçada, tinha falhas que ele conhecia. Foi um sucesso. Colocou umas pratarias no carro, algo que parecia ter muito valor, mas entrou no carro, e acelerou muito, pois a polícia já havia sido chamada. Cem, cento e dez, cento e vinte, cento e trinta, cento e quarenta quilômetros por hora. Até que o velocímetro ficou zerado. Sim, bateu em um carro, na lateral do motorista. Na hora tudo escureceu. Foi preso, dessa vez por homicídio.

Sete anos e uma única palavra quando saiu de um dos quartos: - Pronto. – disse o garoto àquela velha senhora – Agora tenho que ir, minha mãe acabou o plantão.

Cinqüenta e seis anos, ela não chorava mais naquela sala de espera. Levantou-se calmamente. Foi para casa, sentou-se na sala com whisky na mão, os olhos marejados, esperava ansiosa o telefonema da morte de seu filho.

Vinte e oito anos, e todos os meses recebia, misteriosamente, cinco mil por mês, nunca se soube de quem, e ela nunca correu atrás para saber, a principio acreditou ser de seu marido, lícita ou ilicitamente, não importava, ela conseguiu, depois daquele natal, colocar as contas em dia, dar estudos a seus filhos, mas nunca perdoou seu marido, não o queria pela frente, não respondeu suas cartas e para seus filhos, ele havia os deixado.

Vinte e dois anos, abriu os olhos, no teto pendurado, um código que poderia fazer com as mãos, o velho código Morse, e assim ele descreveu cinco letras: -- --- .-. - .

Trinta e cinco anos, recebeu apenas uma visita de sua esposa, ela estaria se mudando, levando os filhos, e queria que ele sumisse, nunca mais aparecesse. Agradeceu os cinco mil mensais que ele estava o enviando. Ele sabia que era obra da sua ex-patroa. Ela também se sentia culpada. Ele aceitou. Nunca mais viu os filhos, nem a esposa. Ficou com seu nome, seu rancor, sua estupidez, sua culpa. Qual o tamanho da sua culpa?

Sete anos, ele mal sabe o que fez, mas fez, ele saberá, aos sete anos perdeu a inocência ao desligar aquele aparelho. Aquela mulher ficara realmente feliz quando isso foi feito. E ela cumpriu o trato dando-lhe a mesada que prometeu. Ele guardou segredo. Para sempre. Qual o tamanho das suas responsabilidades? Qual o tamanho dos seus sacrifícios?

Cinqüenta e seis anos, uma medida drástica, um segredo inconfessável. Morreria com a culpa, mas ela fez sua escolha. Qual o tamanho das suas escolhas?

Vinte e oito anos, e nunca desvendou para o marido a mensagem que tinha no celular que o mesmo esqueceu no dia do acidente. Era de sua ex-patroa e dizia: “Desculpa, venha ao escritório para conversarmos e chegarmos a um acordo, tudo está esclarecido”. Ela nunca falou, pois não mudaria nada. Suas expectativas foram supridas anos depois. Qual o tamanho das suas expectativas?

Eu sei que eles estão bem. Mesmo de longe, mesmo escondido, ainda vasculho, ainda tento manter contato.

Qual o tamanho da cruz que você escolheu carregar?

No fundo nossa vida é como a flor de lótus, você planta a semente em um pântano, em um lugar tenebroso, e tenta florescer da melhor maneira possível. No fundo do pântano você guarda seus segredos e lembra-se apenas da beleza da flor que há do lado de fora da água.

7 de dez. de 2007

O Labirinto

Quando puder feche os olhos.
Imagine-se em um labirinto, um labirinto de paredes cinzas, com um chão frio, com seus azulejos cinzas. Ande por ele, não tenha medo, o cinza é cinza, é apenas uma cor, continue andando, descompassado, não tem problema, siga seu ritmo, ande com força ou com delicadeza, ande atencioso ou disperso, não se preocupe, repito, apenas ande.
Olhe para cima, o céu está cinza, o sol está lá, mas você não vê.
Continue andando, sem rumo, apenas siga o seu instinto, não se preocupe que este labirinto tem um final, mas não siga a lógica, não siga o curso natural das coisas, deixe o seu instinto e a sua intuição fluírem, siga o cinza, sem lados, sem chão, sem céu, cinza, cinza e mais cinza.
Imagine suas roupas cinzas e você se misturando a todo aquele cenário. Sinta toda a perfídia se dispersando em todo mundo, por igual, sem lados, sem objetivos, sinta que você está se libertando dos grilhões, se libertando das admoestações de conceitos pré-estipulados de certo e errado, estipulados por alguém que se tornou cinza. Sinta a calma, a tranqüilidade, esqueça um pouco da correria da vida moderna, da correria da sua vida que lhe impõe horários, discos rígidos, posturas, vestimentas. Somos tão livres e tão presos, presos na nossa própria liberdade, injustiçados pela nossa própria justiça, que gera a iniqüidade, o excesso. Somos vitimas e a solução dos problemas que nós mesmos criamos, somos uma centelha em um fogaréu, mas para transformar nada em fogaréu, só precisamos de uma centelha. Reclamamos do bolor quando sabemos que ele é quem avisa que o tempo já se foi, é o câncer dizendo que há algo de errado, é a vida dizendo que morte está chegando.
Sorria enquanto tem dentes, penteie enquanto o cabelo ainda cresce, viva enquanto ainda se é jovem, feche os olhos enquanto ainda acorda, chora enquanto seu coração ainda é inocente, fique irado enquanto achas que pode mudar o mundo, sonhe enquanto sua imaginação ainda não se atrofiou. Ande enquanto ainda há labirinto. Não fique parado, não adianta olhar para trás, também é cinza, como na frente, como dos lados, como embaixo, como em cima, como sua roupa, como sua pele pálida, como seu sangue congelado, como sua boca seca, como seus olhos sem vida.
Lembre-se, enquanto anda, de sua vida quando era mais jovem, lembre-se dos bons momentos vividos, lembre-se como você era feliz e duvidava, de como era satisfeito e a satisfação não o satisfazia, de como era complexa a simplicidade da vida e como a complexidade o faz querer ser simples, de como você quer apressar o tempo quando se é jovem e de como se quer parar o tempo quando se é velho. Ande, continue andando, e note que atrás de você, sim, nas suas costas, coloque as mãos para trás, sente? Sim há um boldrié para a fixação da corda que há em você. Uma corda fina, quase imperceptível, mas muito resistente. Olhe para trás, pode olhar, mas não ande para trás, você não consegue, você só anda para frente. Está vendo? Você está andando, serenamente. Certamente você pouco se lembra do que você pensou quando começou a andar por esse labirinto, correto? Não tem problema, foi proposital, as coisas tendem a surgir naturalmente, mas continue andando, abra os olhos, note tudo a sua volta. Pouco a pouco você vai notando que o cinza possui nuances. Sim, cinza claro, cinza escuro, cinza fosco, cinza metálico.
Você está preparado, comece a pisar mais forte e mais apressado, arrisque um pouco de cor. Imagine as paredes verdes, mas saiba que elas são cinzas, mas só estamos pensando, correto? Vamos, jogue o verde nas paredes, o abóbora nos pés, o azul no céu, vista roupas coloridas, enfeite o caminho.
Agora assopre, e dissipe toda a névoa que ficava a sua frente, deixe que seus olhos não apenas olhem, mas que eles vejam, que enxerguem de fato toda a beleza que você realiza em sua mente, em sua jornada pelo labirinto, ande, ande, ande. Já estamos acabando.
Comece a ver outras pessoas, comece a interagir, a conversar, a fazer amor, a dar “oi” e “adeus”, cumprimente, discuta, sinta-se vivo, mas nunca pare, faça tudo isso andando, não importa que tudo é cinza, para você é colorido.
Olhe mais adiante, veja que o cinza retorna, ele sempre retorna, mas olhe ao seu redor, pessoas felizes, cores felizes, sim, veja só, você está no labirinto e as folhas estão todas nas árvores carregadas de frutos, o céu está brilhando, os pássaros cantando e as pessoas felizes.
Por que?
Por que você está parado?
Não pare, continue andando, é obrigatório, por mais que você brigue contra, o labirinto começa a te empurrar, ele vai acabando, eu disse para você não olhar para trás. É cinza, mesmo onde você acabou de passar é cinza.
Pare de tentar brigar contra o labirinto, para que toda essa força?
Seus pés estão se machucando, pois você tenta segurar a parede. É inútil. Olhe do seu lado, muitas pessoas, quase todas as pessoas fazem o mesmo e se esquecem que poderiam estar correndo através do labirinto colorido, mas vocês preferem o pior lado, o pior jeito. Maldito livre arbítrio, para que desperdiça o tempo tentando evitar o inevitável, tentando transpor o intransponível, para que fere os pés no calcário se pode correr na grama, na areia?
Por que o conformismo é confundido com preguiça? Por que a falta de vontade não pode ser encarada como vontade de não fazer nada? A eterna incongruência.
Notou quanto tempo você demorou para perceber que não é possível? Para ver que você abriu os olhos para as dúvidas e fechou os olhos para a felicidade? Você tem medo de ser feliz. Medo de que sua vida perca a procura, que não tenha mais objetivos, próprio do ser humano. A procura acaba e, ao invés de gozar da felicidade, procura outro objetivo. A busca incessante.
Agora está tudo cinza, não resta mais nada além de continuar percorrendo. Esqueça as paredes coloridas, foque o cinza, Apenas o cinza. Você ainda está caminhando, mesmo que obrigado, está respirando por aparelhos, está na sobrevida, nos últimos suspiros da caminhada do labirinto.
Olhe ao fundo, olhe a luz. Você poderia parar de ler o momento que você quisesse, a maioria parará, por medo, por falta de vontade, por não achar a mínima graça, mas você está aqui. Chegou ao fim da linha, o final do labirinto a sua frente.
Agora, rapidamente, tente se lembrar de tudo o que você fez até chegar aqui. Das suas paradas forçadas, das suas escolhas mal feitas, dos seus insucessos, das suas virtudes, dos seus amigos. Valeu a pena? Será que tudo valeu a pena? O que faria se entrasse novamente neste labirinto acinzentado?
Agora imagine um clarão, bem forte, e por fim, veja o que você quiser ver. Você acaba de morrer.