30 de jul. de 2007

Conseqüências

Por que não comparar a vida com uma colcha de retalhos?
Você dorme 8 horas por dias, trabalha mais 8h (em média, é claro), estuda mais 4h. Fica preso mais 2h no trânsito, resultado: sobram-lhe duas, apenas duas horas do seu dia em que você é apenas você, de você e para você.
Ah sim, sobram-lhe os finais de semana que você tem que dividir entre amigos, família e vertentes. Sim, temos que dividir, afinal, no final de semana você não trabalha 8h, mas prolonga sua soneca em 9h ou 10h, almoça calmamente, conversa, assiste um programa de televisão, vê um bom filme, vai a um bom cinema.
Uma vez me disseram: “Você fez parte da minha folga.” No momento pôde parecer frio, mas depois percebi qual o grau de importância que isso representa.
Vivemos de momentos, pequenos momentos na vida. Às vezes, uma tarde se torna eterna, de um surrealismo sublime, intenso, verdadeiro, não se sabe se aquela tarde acabará naquela tarde, não se sabe se aquela tarde trará noites, dias, viagens, férias, mas não reclame se não se tornar. Lembre-se daquela tarde. Em que tudo parecia possível, em que todas as questões eram decifradas, todos os erros eram concertados, em que tudo pelo que você brigava parecia valer a pena. Em que ninguém lhe incriminava, ninguém lhe prendia. Em que as possibilidades se abriam como flor na primavera, e você escolhia qual a melhor.
Aquela tarde acaba. Como a noite que vem em seguida. Como o dia que vem em seguida. E surge uma nova tarde. Talvez mais quente, talvez mais fria. Quem sabe?
E então você dorme mais 8 horas, e dirige por mais duas horas, e trabalha por mais oito horas e estuda por mais quatro horas, até que chega enfim às suas tão sagradas duas horas, onde você escolhe sua companhia, mas nem sempre a companhia te escolhe.
Pois é. Vivemos a conseqüência do ontem. A conseqüência do anteontem. Não temos algo imediato, não quando envolvemos outras pessoas de livre e espontânea vontade. Vomita porque escolheu beber. Sofre porque escolheu amar. Ama porque escolheu conhecer. Conheceu porque escolheu não ficar só. Ficou só porque escolheu amar demais.
Neste jogo que aquela tarde entramos, estamos jogando sem árbitro, jogando com regras distintas. Efêmero ou eterno? Não sei. Apenas sinto. Sinto que seria bom continuar. Mas se não continuar, pelo menos acabou no bom momento. Às vezes, momentos são como belas fotografias, você as olha, e se lembra, mesmo amareladas, de como foi bom este momento, de como foi intenso e eterno. Fotografias são eternas. Às vezes, o momento se prolonga, e se torna uma historia. E a historia às vezes não é tão boa, se prolonga demais e, aquele momento perfeito se torna pequeno, perto do imperceptível. E esse é o grande barato da tragicomédia das relações interpessoais. Não é quem, é quando. Eis a grande problemática.
E nós esperamos algo divino, o segundo sol, o alinhamento planetário, a vida após a morte, uma viagem extra-corpórea, o Armageddon. E não percebemos que a grande atração da vida está nas pequenas coisas. Nos nossos pequenos e eternos momentos. Naquela colcha de retalhos, retalhes de momentos, retalhos de sorrisos, retalhos de alegria, que teimamos em deixar no armário e só tirarmos em dias de frio, dias cinzentos e tristes, mas que deveríamos deixar na cama sempre, mesmo no calor, mesmo dobrados, mas sempre a vista, nos lembrando das coisas boas, pois assim esquecemos as más, nos lembrando da música, das frases ditas, dos sonhos combinados, das loucuras que nunca foram feitas, das promessas, muitas descabidas, poucas exercidas, mas por que não sonhar na vida? Ela é curta, talvez não de imediato para o jovem, mas curta para o velho. E jovens ficam velhos. Pelo menos deveriam ficar.
Mas nunca se esqueça de estender a colcha de retalhos. No final do dia, na hora de reflexão. Certamente um sorriso amarelo de saudade brotará em seu rosto, uma lágrima caíra e sempre ficaremos com a amarga sensação de que poderíamos ter feito diferente se algo tivesse sido feito, ou não feito. Mas o “se” não existe. Aliás, ele existe apenas para amenizar o resultado, para nos lembrar de como somos tolos, e são mais tolos aqueles que tentam mudar o inevitável, mesmo no imaginário. E viva o amor platônico, mesmo que por alguns segundos de um viés criativo.
As coisas que você vive agora, você escolheu ontem, mesmo sem saber, mesmo no imbróglio desapercebido de alguns segundos, ou na sabedoria chegada por horas incessantes de reflexão.
Conseqüências meu caro amigo. Conseqüências.

23 de jul. de 2007

Inveja Não Mata

Já notaram como o ser humano é demasiadamente controverso? Como prezamos a política da boa vizinhança e não economizamos palavras para descrever os defeitos das pessoas? Como nos esquecemos com facilidade das vitórias e recordamos apenas das derrotas? Como elegemos nossos líderes e apenas reclamamos deles? Como invejamos.
Sim, todo o ser humano é invejoso. Do mais alto ao mais baixo, do mais rico ao mais pobre. Há uma máxima que diz: “Há sempre um peixe maior”. É essa máxima que nos traz a inveja. E a inveja é benéfica, dependendo do ponto de vista, claro. Há pessoas que invejam um estilo simples de vida, outras que invejam uma vida luxuosa. Há pessoas que invejam algo pequeno, ou grande. Não importa. O que importa é que a inveja motiva. Na verdade todos os sentimentos nos geram motivação, amor, ódio, raiva, mágoa, mas a inveja, Ah!!! A inveja é o plus da motivação, é o barril de pólvora. É bem verdade que Platão assinalou com seu Mito da Caverna que a ignorância é uma bênção. E muitos são abençoados. Sem enxergar, não há cobiça. Se bem que até o cego cobiça a visão. Mas a inveja faz com que não cometamos um pecado essencial na nossa vida: Acomodação. No caso do ser humano, a falta de acomodação pode ser confundida com a não-satisfação. Com isso, casamentos são desfeitos, sociedades rompidas, acordos cancelados. O mundo inveja. O terceiro mundo inveja o primeiro. Você inveja o carro do seu vizinho. Inveja a mulher do amigo. A inveja gera a falta de valor de todo o resto.
Em um relacionamento há sempre dois integrantes (salvas exceções). Um que gosta menos e o outro que se dá mal. Casamentos duradouros dão certo porque fazem a combinação desses elementos e não questionam mais nada. A fórmula é mais ou menos esta:
Adaptação + Tempo + Boa Cia. - Inveja = Acomodação + Filhos (Bônus de preocupação e preenchimento de lacunas) = Casamento Perfeito.
O problema maior é a inveja. E ela se estende do primeiro dia ao último. Como não invejar o sexo casual e optar por apenas uma pessoa? Afinal ele não enjoa. Como não invejar um relacionamento estável ao invés de ter uma pessoa por dia? Afinal é como um livro de poesia, curto, bonito, mas são apenas algumas linhas.
A inveja é inevitável, assim como a satisfação. A acomodação é que faz com que façamos nossa escolha. Às vezes nos julgamos velhos demais para recomeçar, ou jovens demais para estacionar. E sabemos que o meio termo é tão difícil de se chegar. E não ouça quem lhe disser que o melhor é se arriscar, nem ouça quem disser que o melhor é manter. Ouça apenas a pessoa que mais lhe conhece. Você. Tudo parece pequeno quando há algo maior. E o que fazer com o tempo que nos é dado? Apenas aproveite.

10 de jul. de 2007

Somos Quem Você É


Eu tinha uns dois dias quando eles vieram.
Tendo me apunhalado no coração, eles dançaram de forma selvagem em volta do meu berço.

- "Impossível" - eu gritei, e voltei a dormir.

Mais uma vez, eu era Ícaro, olhando diretamente nos olhos do sol. Aproximei-me de uma nuvem recém-nascida e imergi prontamente dentro dela. A nuvem me abraçou enquanto eu confiantemente absorvia seu oxigênio, deixando sua brancura fluir pela minha cabeça e aprender todos os meus pensamentos. Mergulhado no êxtase, eu mal percebi o abraço se apertando a cada respiração minha, passando do suave ao violento. Paralisado, eu engasguei a medida que o ar se tornava um veneno pesado. Eu era uma mosca presa em uma planta carnívora, ouvi as batidas do coração da criatura que me comeu, uma batida onipresente, um hipnotizante super poderoso. Respirando meu último suspiro, reconheci nele o som da dança da morte da qual eu tinha escapado.
Estava de volta no meu berço, cercado por um silêncio absoluto que negava tudo o que tinha acontecido. Desacreditado, olhei para o meu peito e chorei, vendo uma chaga aberta. Como se famintos pelas minhas lágrimas, eles se aproximaram, emergindo das sombras.

- "Você acabou fugindo exatamente para onde nós nos escondemos". Não disse nada.

- "Você espera que nós fiquemos para sempre sem dentes, como nos livros infantis. Mas a infância acaba. E aí crescem nossos dentes".

Eles me colocaram em uma cela, no meio da qual cresceu um cardo. Seus espinhos eram tão leves que a cada respiração eles se soltavam e furavam minha pele. Eu não me atrevia a olhar para ele, com medo de que pudesse machucar meus olhos. Fiquei faminto por dias. Então, um dia, o cardo floresceu e um deles veio colher as sementes. Eu corri na sua direção e agarrei uma para comer.

- "Comida para o pensamento" - ele disse, e saiu.

A semente, ao invés de ir para o estômago, foi direto para meu cérebro. E começou a crescer, germinando não em brotos, mas em pensamentos. Uma rajada de pensamentos selvagens invadiu meu crânio, procriando-se ali loucamente, faminta por meu infante córtex. Logo meu reino estava conquistado e eu deitei derrotado no chão e chorei, vendo os invasores estuprando todas as minhas filhas, que eram então devoradas por seus bastardos recém-nascidos. Quando meu coração inchado estava preste a explodir, um deles entrou na cela, afastando as criaturas.

- "Você despreza os parasitas" - ele disse, segurando uma das sementes. - "Mas você os deixa sem escolha até se tornar um simbionte". Eu não disse nada. - "Você pode ir agora. O lugar não mais importa". Quando fiquei em pé e andei até a porta, uns últimos espinhos do cardo voaram e furaram minha pele.

Eu andei por uma estrada que passava por uma terra devastada. Pela estrada, havia postes de luz, e quando a noite chegou, centenas de mariposas vieram voar nos seus brilhos. Elas se agitavam nervosamente em volta dos postes, como se lutassem umas com as outras pela luz. Mas logo seus movimentos se harmonizaram, e elas giravam com felicidade em volta das lâmpadas, realizando suas danças de alegria. Eram crianças andando em carrosséis brilhantes, cujas músicas enchiam o lugar inteiro. De repente, acabando com a melodia, as luzes se apagaram, e as mariposas desnorteadas se espalharam caoticamente, ficando presas em teias de aranha. Eu, impotente, observava a estrada se tornar seus túmulos comuns e chorava por elas, pois elas nem sabiam por quem tinham sido comidas. O massacre mal tinha terminado e as luzes voltaram, atraindo centenas de outras mariposas. Eu joguei pedras nas lâmpadas para impedir o que estava por vir, mas meu braço estava muito fraco para quebrá-las.

- "Você chora pelas mariposas" - Eu ouvi por trás de mim - "Se elas não tivessem morrido, você choraria pelas aranhas famintas". Eu me virei e vi um deles, com seus olhos pretos refletindo meu ódio.- "Eu choro por ambas" – disse, e sai da estrada, enquanto cada passo meu a frente profanava a dignidade das assassinadas.

De repente, a história acaba.