2 de out. de 2007

Le Cirque de Ma Vie

Nascemos de uma mistura, a mistura de duas grandes apresentações, de duas peças semi-acabadas.
Os coreógrafos me deram um nome. Bonito por sinal, mas todos aprenderam que não se pode levar muito em conta o nome de uma peça, pois, mesmo que nós tentemos mostrar algumas situações a serem seguidas, nunca sabemos como ela irá se desenhar.
Eis a peça da minha vida. Meus pais, coreógrafos, tentam nos mostrar uma certa lógica, uma experiência de quem já caiu muito, mas já deu muitas alegrias, muitas demonstrações de força, de habilidade e de coragem. Mesmo assim, a teoria é diferente da prática. Mesmo que os movimentos nos sejam mostrados, nós olhamos com certa desconfiança e tentamos ultrapassar os limites que nos são impostos. Os coreógrafos sempre querem nosso bem, nos dão tarefas um pouco mais fáceis de serem executadas. Estão sempre preocupados com que mostremos muita beleza, mas em primeiro plano, preocupam-se com nossa segurança.
Verdade seja dita, se nós fizéssemos apenas o que mandassem nossos coreógrafos, nosso show seria até belo, digno de ser revisto, mas seria limitado. Nós nunca saberíamos nossa verdadeira capacidade. Só conhecemos o nosso limite quando o ultrapassamos. Quando a margem nos é imposta. Quando o bolo queima, quando o freio não funciona, quando você cansa, quando o coração pára, quando o castelo de cartas cai, quando a cobaia morre.
Sacrifícios. A vida não seria vida sem sacrifícios, quando sacrificamos algo, queremos algo em troca, algo maior, algo desejado. Quantos sacrifícios nós fizemos ao longo da nossa jornada? Quantas vezes trocamos festas por estudos? Quantas vezes trocamos estudos por festas? Quantas opções, mas só podemos escolher uma. Apenas uma. E cada escolha gera uma conseqüência. Coisas da vida.
E o que é a vida senão uma grande peça teatral?
Tem um planeta inteiro como cenário. Onde todos formam a platéia, e todos estão no palco. Você é um ator-expectador. Controla sua vida, mas apenas a sua.
Um roteiro escrito a cada dia. Não, não é escrito em tempo real. Novamente digo, as opções de ontem são o roteiro de hoje.
O que? Duvida de mim?
Preste bem atenção. Posso comprovar. Quando você marca uma consulta hoje, para daqui 30 dias às 16h. Onde você estará daqui 30 dias às 16h? Se você marca de esperar uma pessoa dentro de 30 minutos, onde você estará daqui 30 minutos? Há variáveis, mas até as variáveis somos nós que escrevemos.
O que? Continua duvidando? Já sei, eis a sua pergunta. E se eu tropeçar e machucar minha perna daqui 15 minutos, posso me atrasar para o encontro, correto?
Certíssimo. Mas vejamos por uma outra ótica. Quem foi afoito demais para não ver que o chão estava esburacado? Foi você quem desviou sua atenção e cuidado e atrasou. Você assinou seu atraso. Nosso roteiro é mutável, mas dificilmente é escrito dentro da velocidade do pensamento. Pois há intempéries. Pois são muitos roteiros cruzados, cada um escreve seu próprio roteiro. Nunca são escritos em conjunto, eles podem se assemelhar e a isso damos o nome de coincidências.
Coincidências são roteiros que se cruzam, o que não é difícil de ocorrer. Quantas pessoas escrevem que irão pegar o metrô às 8h da manhã, ou que estarão presas no engarrafamento às 20h. Fazer aula, ir ao supermercado, tirar a carteira de motorista, ir ao trabalho, comprar jornal, estádio de futebol, shopping, enfim, uma infinidade de opções. Coincidências, não destino.
Destino é nosso grande diretor. Mas você ainda acredita em destino?
Veja bem, não escrevemos que choveria hoje. Mas quando está sol e a água evapora e sobe, e se condensa e vira gotícula de água, chove. Nada é inventado, tudo é transformado, tudo faz parte do grande ciclo que nossa percepção limitada não enxerga. Destino é o nome que damos a tudo aquilo que foge do nosso controle. Quando os roteiros se cruzam sem você saber, como alguém que é atropelado na calçada esperando o ônibus chegar.
Nossa vida é nosso roteiro, nossa realidade é nosso picadeiro.

Às vezes somos palhaços. Tão tristes e tão felizes. Palhaços me dão certa melancolia. Parecem aquelas pessoas a beira da morte que fazem de tudo para amenizar a dor dos que ficam. Sorrisos falsos, situações esquisitas. A alegria mórbida. Alegria ilusória. Você nunca se sentiu assim. Quando no limiar da melancolia jogou suas expectativas sobre uma pessoa qualquer? Quando planejou tudo sem saber se ela estava de acordo? Ilusão de felicidade. Deleite instantâneo, feroz e passageiro. Você já foi um palhaço, sim. Já tentou esquecer alguém com sorrisos falsos e choro abafado.
Às vezes brincamos com fogo, mas quem não brinca? Quem não gosta de sentir perigo? Na maioria das vezes acabamos queimados, mas quem se importa?
Às vezes somos malabaristas, dando um jeitinho qualquer de equilibrar nossos sentimentos. Nos ponderamos, nos apossamos da calma ou da atitude que nos falta. Como bom malabarista, deixamos cair muitas vezes nossas claves no chão, mas vamos equilibrando aos poucos com tranqüilidade, serenidade e muito trabalho.
Nas horas mais incertas, mais perigosas, somos como trapezistas, temos muita força para agüentar a pressão, a incerteza, a agonia de horas difíceis, e a flexibilidade de transformar tudo aquilo em boas atitudes, em bons resultados. Às vezes nos apegamos ao tecido sufocante que se torna nosso único apoio, mas temos de ser flexíveis, pois você não pode soltá-lo, senão você cai, mas não agarre com tanta força, senão ele não te suporta.
Sim, somos todos circenses, todos teatrais. Talvez a coisa mais sincera que tenham inventado são as peças circenses.
Não se preocupe em cair, em desequilibrar, tudo isso faz parte do espetáculo.
Mas como eu disse, não somos os únicos artistas, não temos um único roteiro, não seguimos uma seqüência lógica. Todos verão seus ensaios, o espetáculo da sua vida serão seus ensaios. Não há perfeição, pois não há beleza na perfeição, pois a perfeição também limita.
Tudo é mutável, mas uma coisa é certa, você chegará a todos esses estágios citados, é uma questão de tempo.
O espetáculo é constante, então aproveite para cair e levantar e cair e levantar, porque, na realidade, todos fazem isso, até os mais reservados. Mas não se esqueça, você pode mudar de cenário quando quiser, de personagem quando quiser, mas a cortina só se fecha uma vez.

3 comentários:

[joaopp] disse...

"Quantas vezes trocamos festas por estudos? Quantas vezes trocamos estudos por festas?"

já me fodi tanto por isso...
hauhahuhuauh!
mas acho q to aprendendo a escrever meu roteiro...rs

Felipe Gomes disse...

Estamos sobre um picadeiro, mas muitas vezes não sabemos como alegrar as pessoas, fazemos papel de palhaço triste e ao decorrer do espetáculo tudo que vemos é crianças chorando. Muitas vezes acertamos na dose e saltamos como o melhor dos trapezistas, e quando estamos quase no auge, nos vemos enquadrado em uma corda bamba, e nos equilibrando como loucos, deixando de lado a graça e atos que fariam desta situação um espetáculo a parte, tudo pelo medo de não cair.
Porém mal sabemos que a queda nos fortalece e nos faz crescer.

Fica aqui um efusivo Abraço, ao meu grande amigo Guilherme, que fez com que por alguns minutos eu me libertasse do meu roteiro e refletisse sobre o todo.

Fernando J. disse...

Saudades.