11 de set. de 2007

Portas Abertas

Fecharam a porta da minha sacristia.
Estou na penumbra da minha mente onde as paredes possuem lodo que resultou de cada mentira contada e de cada situação desprovida de minhas idéias.
Minhas entranhas parecem querer sair do meu corpo, eu quero vomitá-las para quem sabe melhorar, quem sabe não enjoar. Mas penso nas substâncias necessárias ao meu corpo, que certamente virão com outra refeição, mas não serão as mesmas substâncias. Vomitarei tudo sim, inclusive o que não quero vomitar.
Fecharam as portas do meu calabouço.
E há uma fresta por onde entra um feixe de luz que teima em cair bem na minha retina, eu não quero enxergar, eu não quero saber que há algo melhor lá fora. Me acostumei com o mau cheiro, com as paredes pegajosas, com meu corpo sujo e fétido, com minha alma entregue aos lobos famintos que me esperam no outro canto da porta.
Estou me escondendo.
Não sei por que estou me escondendo, não sei por que estão me procurando, mas sinto a respiração insaciável do meu caçador enfurecido, com seu olhar penetrante e bestificado querendo me provar por A + B que serei sua vítima.
Oh! Caçador insaciável, paciente e pontual. Estou na mira do seu rifle há tempos e ele espera o momento certo, ele quer mirar nos meus olhos, olhando para ele, buscando a face terna e confortável da morte, sua paciência aumenta sua facilidade. Ele espera o meu pedido e pouco a pouco vou me rendendo. Ele espera que eu acene e pouco a pouco eu ergo os braços.
De tempos em tempos abrem as portas, mas a minha inóspita acolhida é sempre mal vista e acabo sempre no meu fastio deserto de areia, boca molestada pela estiagem, olhos cansados e castigados pelo sol a pino impiedoso e sádico que queima a pele branca, e ludibria a mente sensata.
Quem disse que eu queria vencer? Quem disse? Quem falou que queria ser o primeiro esperma? Para que vencemos no início? Para sofrermos depois?
Os zombeteiros ensurdecem meus ouvidos com risadas espessas e zunidos imperceptíveis que vão irritando meus nervos e aflorando minha ira.
A felicidade é invejada. Invejo-lhe no mais profundo âmago, no cerne, na essência. A inveja corrobora minha vontade de sair.
Então abro as portas, olho em seus olhos, pisco com um misto de lascívia e chacota, seus dedos trêmulos hesita perplexo com minha capacidade de ressurreição e quando tu titubeastes pensando onde errou, eu fugi.
E corri, corri até minhas pernas queimarem de cansaço e falta de costume. E chorei, chorei até secarem a fonte de tristeza e infelicidade que reinava em mim, que pairava sobre minha cabeça. E meus pulmões não agüentavam mais receber tanto oxigênio, e meu coração não agüentava mais bombear tão rápido. E com medo de que a epopéia vira um capítulo sem estilo, eu paro. Me viro, afônico pelo medo, atônito pela coragem.
Seus olhos pareciam me consumir. Eu fugi exatamente para onde eu não deveria. Cai na toca do lobo, na lareira pré-aquecida. Sinto-me anestesiado. Sai do medo da incerteza para encarar o medo da certeza. Meu inimigo ilusório agora é real. Meu sofrimento duplica e minhas dúvidas são quadruplicadas. Penso ser um erro ter tentado. Meio ao lodo, à sujeira, ao inferno, me senti aquecido. Agora estou no meu primeiro dia de aula com crianças me olhando, professores me fitando fingindo ser meus melhores amigos, meus maiores aliados, tornando-se meus piores inimigos. Corri em círculos retornando ao ponto de partida, como um circuito, um labirinto. Ele também se surpreendeu com a facilidade, como o verme que cai na boca no passarinho.
Não havia escapatória a não ser que houvesse chuva. E não choveu.
Estava eu preso as pestes e bestas da minha fecunda tragédia. Eu germinei meu fim. Estava certo de que havia errado.
Então eu aceitei o final da história como mero observador. E pela pequena fresta entre as grades e entre as insaciáveis picadas com espinhos venenosos, eu observei e me acostumei novamente com minha realidade imbecil e insuscetível.
Então açoitei com os mesmo espinhos o invólucro que cobria meu corpo e corri novamente, sem perseguidores.
Arrefeceu a febre. Tranqüilizou a lamúria. Inquietou a tristeza. Escarneceu os problemas. Estava incólume, pela primeira vez.
Corri minha estrada. Perdi meu medo. Abri minha porta, novamente.
Abri um sorriso, respirei oxigênio, cai no mar, comi frutas frescas.
A cada porta que eu via fechada, escancarava.
Mas o mais importante. Eu tenho as minhas portas abertas. O lodo se transformou em uma pintura bonita e acolhedora. O aroma era agradável. O abafado se tornou fresco.
O maior problema agora era o tempero, pois às vezes de tão insosso, acabamos exagerando no sal.
Questão de gosto, tempo de costume e auto-controle.

Um comentário:

Renata D'Elia disse...

Edgar Allan Poe diria que um gato preto te enterrou na parede.