
Rumávamos na direção da felicidade a passos largos.
Seu sorriso verdadeiro, sua jaqueta de malha preta, sua calça jeans descolada, seu cabelo penteado.
Não precisou esticar a mão para que eu saísse do abismo, apenas parou do meu lado e disse:
- Oi.
Pronto. Era melhor que um grito, era melhor que um empurrãozinho, era melhor que uma mão esticada.Só isso, e caminhamos.
A cada passo nosso, compassado e atencioso, deixávamos para trás o cheiro ácido de enxofre e a malevolência de dias frios, preguiçosos e depressivos.
A cada passo nosso era uma pedra a menos na minha parede feita de más influências, maus pensamentos e maus sentimentos. As pedras de frustrações, decepções, alarmes falsos e falsas promessas.
As pedras iam caindo uma a uma a medida que deixávamos para trás e rumávamos lado a lado e a cada pedra que caía, um tijolo era colocado magicamente à nossa frente.
As pedras de tristezas se transformavam em tijolos de alegrias, as pedras de lágrimas se transformavam em tijolos de sorrisos, e assim cada sentimento ruim que sumia um tijolo amarelo aparecia, deixando com que nós continuássemos a trilhar aquela estrada mágica.
Não ousava olhar para trás. Olhar para trás seria como aproximar a quimera de que muito temia. Era afrouxar o cinto diante do acidente certo. Era ignorar a máscara de oxigênio em um avião em queda livre. Olhar para trás seria dizer adeus a tudo de bom que estava acontecendo naquele dia em que transformava pesadelos em sonhos, utopia em verdade.
Então não olhei para trás, nem olhei para os lados. Via apenas você, e via minha estrada sendo feita passo a passo.
Não havia sol, mas quem precisa de sol quando tem alguém para aquecer? E quem precisa de sol exposto quando sabemos que ele está ali, apenas encoberto, mas está aquecendo e clareando como sempre.
Tudo estava bem, até que houve uma efusão, até que deixei escapar a grandiosidade dos meus pensamentos reprimidos, onde expus o por que da magnificência dos meus atos.
Então percebi que não foi apenas o meu verdadeiro pensamento que eclodiu. Minha verdade expôs sua verdade. Nossas máscaras caíram, nossos demônios voltaram a sorrir.
Nossos sentimentos não eram contrários, mas distintos de importância e elevação. Por conta disso, sua supremacia ficou evidente, sua voz desdenhosa exprimia seus valores e sua paciência exauriu. Seu jeito sagaz e desembaraçado deu lugar a saliência, arrogância, desprezo, proveniente da desafetação gradual e completa.
Isso não me faz falta mais.
Pela primeira vez olhei para os lados.
Notei outras pessoas que aos trancos e barrancos, tropeços e deslizes davam pequenos passos nas suas respectivas estradas.
Haviam várias estradas ao meu lado, cada uma com uma cor diferente.
Eu fiquei parado muito tempo no mesmo lugar com a estrada de tijolos amarelos. Não era mais o amarelo vivo de quando estava acompanhado. Era opaco, sujo, velho, embolorado. E por mais uma vez eu gritei, e te chamei, você havia partido.
Joguei um pouco de luz na sua estrada e ela fez uma curva sinuosa do local em que estávamos e por mais que eu me esforçava para ficar paralelo eu não conseguia. Até porque você estava muito distante de mim. Meus tijolos eram fracos, muitas vezes vinham quebrados e minhas pedras que ficavam atrás quebravam em pedaços cada vez menores.
Parei.
Havia sol, mas nem ele me animava ou me aquecia, pelo contrário, eu sonhava mesmo com aquele dia sem sol.
As pessoas que passavam perto da minha estrada jogavam pedras e recebia uma saraivada de impropérios.
O júbilo sumira.
A ceifa farta, o mau tempo fez questão de estragar.
A estrada de tijolos amarelos enegreceu como uma mão de betume pesado.
Queria me levantar, mas meu peso duplicara. Haviam lastros em minhas pernas e grilhões em meus pulsos. Estava cansado, faminto, era um maltrapilho, um morto com vontades mundanas, apenas isso.
Estava em um mundo além dos meus piores pesadelos. Um mundo dominado por parvos estranhos, cujas excentricidades eram demasiadamente abusivas.
Você se foi, me deixou aqui, sozinho. Roubou meu relicário, roubou minha alma, roubou minha vida. Antes tirava as pedras, hoje elas estão me soterrando.
Algumas pessoas me convidavam a andar lado a lado com elas. Mas não eram elas quem eu queria, nenhuma delas aliás. Eu fechava os olhos para elas.
Ninguém é insubstituível, eu sei, mas naquele momento parecia ser.
Fiquei parado.
Algumas plantas começaram a crescer de tanto tempo que eu perdi. Algumas pessoas passavam e não me atacavam mais, eram até gentis. Parecia que as coisas começavam a melhorar com a luz do sol, mas a noite era árdua, e a escuridão não poupava esforços para lembrar que estava fadado. Então percebi, na penumbra da minha desgraça, juntando os pequenos esboços de felicidade com as freqüentes escapadas, a minha prospecção de alegria foi cancelada. Havia lacunas, e não era preciso ser Édipo para decifrar o que era óbvio.
Eu estava na estrada de tijolos amarelos e minha estrada foi uma pequena ponte para você. Voltei um pouco em meu caminho, e com a luz do sol vi sua estrada ao lado da minha. Mas sempre há um outro lado. E havia uma terceira estrada que segue a sua até onde minha visão alcança.
Parei de fazer a curva. Parei de virar, queria seguir reto, não haviam mais tijolos amarelos, pois a mágica tinha terminado. Percebi que seu coração aventureiro não gostara de andar em linha reta. Haviam subidas e descidas, haviam muitas estradas cruzadas. Então percebi que houvera isso na minha também. Eu também era um aventureiro, também cruzava algumas estradas e o pior, transformei muitas estradas amarelas em caminhos escuros. Todas as estradas eram assim, multicoloridas. Não haviam estradas monocromáticas.
Resolvi aceitar os fatos. Resolvi andar. Minha estrada não era mais de tijolos amarelos. Era fria, áspera, não exalava cheiro nenhum. Ao invés de deixar as pedras caírem, peguei uma a uma, transformei-as em piso, em chão, não haviam ladrilhos de brilhante, não havia vegetação agradável em volta, não havia luz. Era um caminho frívolo, sim, mas eficaz.
Certa vez te vi, ao longe, é verdade, parecia feliz, talvez um diferente corte de cabelo, mas aquele sorriso era o mesmo, peralta e inocente, parei por alguns instantes, mas foram apenas alguns instantes. A estrada me transformara. Era inóspito, sim, talvez até inexpressivo. Mas era eficaz. Me tornei eficaz. Sem grandes expectativas, sem grandes exageros, sem grandes conquistas, sem grandes acontecimentos. A cor da minha estrada oscilava, mas dentro de uma margem de segurança. Eu a controlava como quem controla um carro, sempre me mantendo ao centro, dando total sentido a razão. Meu coração não me trairia mais. Assim está decidido, assim está feito.
Adeus estrada de tijolos amarelos. Por muitas vezes os tijolos amarelos se confundiram com a cor do céu ensolarado no nascer do dia, e cegava até o entardecer. E assim sucessivamente. Eu não reparava na verdade das outras horas, das outras posições solares no decorrer do dia, nem com a escuridão que expandiria a percepção do mais disperso. Eu via apenas o nascer e o pôr-do-sol, que não deixava a estrada demarcar o horizonte, fazendo tudo parecer eterno. Eu via apenas o que queria ver.
Mas ao menos vi a estrada de tijolos amarelos. Há pessoas que passam a vida sem nunca ter visto, há pessoas que sonham em vê-la e há pessoas como eu, que a viram, mas certamente não mais a verá novamente. E mesmo que a veja, hesitará em entrar.
Adeus estrada de tijolos amarelos.
- Oi.
Pronto. Era melhor que um grito, era melhor que um empurrãozinho, era melhor que uma mão esticada.Só isso, e caminhamos.
A cada passo nosso, compassado e atencioso, deixávamos para trás o cheiro ácido de enxofre e a malevolência de dias frios, preguiçosos e depressivos.
A cada passo nosso era uma pedra a menos na minha parede feita de más influências, maus pensamentos e maus sentimentos. As pedras de frustrações, decepções, alarmes falsos e falsas promessas.
As pedras iam caindo uma a uma a medida que deixávamos para trás e rumávamos lado a lado e a cada pedra que caía, um tijolo era colocado magicamente à nossa frente.
As pedras de tristezas se transformavam em tijolos de alegrias, as pedras de lágrimas se transformavam em tijolos de sorrisos, e assim cada sentimento ruim que sumia um tijolo amarelo aparecia, deixando com que nós continuássemos a trilhar aquela estrada mágica.
Não ousava olhar para trás. Olhar para trás seria como aproximar a quimera de que muito temia. Era afrouxar o cinto diante do acidente certo. Era ignorar a máscara de oxigênio em um avião em queda livre. Olhar para trás seria dizer adeus a tudo de bom que estava acontecendo naquele dia em que transformava pesadelos em sonhos, utopia em verdade.
Então não olhei para trás, nem olhei para os lados. Via apenas você, e via minha estrada sendo feita passo a passo.
Não havia sol, mas quem precisa de sol quando tem alguém para aquecer? E quem precisa de sol exposto quando sabemos que ele está ali, apenas encoberto, mas está aquecendo e clareando como sempre.
Tudo estava bem, até que houve uma efusão, até que deixei escapar a grandiosidade dos meus pensamentos reprimidos, onde expus o por que da magnificência dos meus atos.
Então percebi que não foi apenas o meu verdadeiro pensamento que eclodiu. Minha verdade expôs sua verdade. Nossas máscaras caíram, nossos demônios voltaram a sorrir.
Nossos sentimentos não eram contrários, mas distintos de importância e elevação. Por conta disso, sua supremacia ficou evidente, sua voz desdenhosa exprimia seus valores e sua paciência exauriu. Seu jeito sagaz e desembaraçado deu lugar a saliência, arrogância, desprezo, proveniente da desafetação gradual e completa.
Isso não me faz falta mais.
Pela primeira vez olhei para os lados.
Notei outras pessoas que aos trancos e barrancos, tropeços e deslizes davam pequenos passos nas suas respectivas estradas.
Haviam várias estradas ao meu lado, cada uma com uma cor diferente.
Eu fiquei parado muito tempo no mesmo lugar com a estrada de tijolos amarelos. Não era mais o amarelo vivo de quando estava acompanhado. Era opaco, sujo, velho, embolorado. E por mais uma vez eu gritei, e te chamei, você havia partido.
Joguei um pouco de luz na sua estrada e ela fez uma curva sinuosa do local em que estávamos e por mais que eu me esforçava para ficar paralelo eu não conseguia. Até porque você estava muito distante de mim. Meus tijolos eram fracos, muitas vezes vinham quebrados e minhas pedras que ficavam atrás quebravam em pedaços cada vez menores.
Parei.
Havia sol, mas nem ele me animava ou me aquecia, pelo contrário, eu sonhava mesmo com aquele dia sem sol.
As pessoas que passavam perto da minha estrada jogavam pedras e recebia uma saraivada de impropérios.
O júbilo sumira.
A ceifa farta, o mau tempo fez questão de estragar.
A estrada de tijolos amarelos enegreceu como uma mão de betume pesado.
Queria me levantar, mas meu peso duplicara. Haviam lastros em minhas pernas e grilhões em meus pulsos. Estava cansado, faminto, era um maltrapilho, um morto com vontades mundanas, apenas isso.
Estava em um mundo além dos meus piores pesadelos. Um mundo dominado por parvos estranhos, cujas excentricidades eram demasiadamente abusivas.
Você se foi, me deixou aqui, sozinho. Roubou meu relicário, roubou minha alma, roubou minha vida. Antes tirava as pedras, hoje elas estão me soterrando.
Algumas pessoas me convidavam a andar lado a lado com elas. Mas não eram elas quem eu queria, nenhuma delas aliás. Eu fechava os olhos para elas.
Ninguém é insubstituível, eu sei, mas naquele momento parecia ser.
Fiquei parado.
Algumas plantas começaram a crescer de tanto tempo que eu perdi. Algumas pessoas passavam e não me atacavam mais, eram até gentis. Parecia que as coisas começavam a melhorar com a luz do sol, mas a noite era árdua, e a escuridão não poupava esforços para lembrar que estava fadado. Então percebi, na penumbra da minha desgraça, juntando os pequenos esboços de felicidade com as freqüentes escapadas, a minha prospecção de alegria foi cancelada. Havia lacunas, e não era preciso ser Édipo para decifrar o que era óbvio.
Eu estava na estrada de tijolos amarelos e minha estrada foi uma pequena ponte para você. Voltei um pouco em meu caminho, e com a luz do sol vi sua estrada ao lado da minha. Mas sempre há um outro lado. E havia uma terceira estrada que segue a sua até onde minha visão alcança.
Parei de fazer a curva. Parei de virar, queria seguir reto, não haviam mais tijolos amarelos, pois a mágica tinha terminado. Percebi que seu coração aventureiro não gostara de andar em linha reta. Haviam subidas e descidas, haviam muitas estradas cruzadas. Então percebi que houvera isso na minha também. Eu também era um aventureiro, também cruzava algumas estradas e o pior, transformei muitas estradas amarelas em caminhos escuros. Todas as estradas eram assim, multicoloridas. Não haviam estradas monocromáticas.
Resolvi aceitar os fatos. Resolvi andar. Minha estrada não era mais de tijolos amarelos. Era fria, áspera, não exalava cheiro nenhum. Ao invés de deixar as pedras caírem, peguei uma a uma, transformei-as em piso, em chão, não haviam ladrilhos de brilhante, não havia vegetação agradável em volta, não havia luz. Era um caminho frívolo, sim, mas eficaz.
Certa vez te vi, ao longe, é verdade, parecia feliz, talvez um diferente corte de cabelo, mas aquele sorriso era o mesmo, peralta e inocente, parei por alguns instantes, mas foram apenas alguns instantes. A estrada me transformara. Era inóspito, sim, talvez até inexpressivo. Mas era eficaz. Me tornei eficaz. Sem grandes expectativas, sem grandes exageros, sem grandes conquistas, sem grandes acontecimentos. A cor da minha estrada oscilava, mas dentro de uma margem de segurança. Eu a controlava como quem controla um carro, sempre me mantendo ao centro, dando total sentido a razão. Meu coração não me trairia mais. Assim está decidido, assim está feito.
Adeus estrada de tijolos amarelos. Por muitas vezes os tijolos amarelos se confundiram com a cor do céu ensolarado no nascer do dia, e cegava até o entardecer. E assim sucessivamente. Eu não reparava na verdade das outras horas, das outras posições solares no decorrer do dia, nem com a escuridão que expandiria a percepção do mais disperso. Eu via apenas o nascer e o pôr-do-sol, que não deixava a estrada demarcar o horizonte, fazendo tudo parecer eterno. Eu via apenas o que queria ver.
Mas ao menos vi a estrada de tijolos amarelos. Há pessoas que passam a vida sem nunca ter visto, há pessoas que sonham em vê-la e há pessoas como eu, que a viram, mas certamente não mais a verá novamente. E mesmo que a veja, hesitará em entrar.
Adeus estrada de tijolos amarelos.