10 de jan. de 2008

Paralelas Não Se Cruzam

Esse lugar me sufoca. Ele me agride a cada palavra pronunciada. Ele me engana a cada gesto pensado friamente para me iludir. Ele inebria meus sentidos. Ele me deixa temporariamente insano.
Eu quero gritar, mas não posso. Gritar seria expor os sentimentos que eu quero manter imersos em tinta nanquim. Escondidos, afastados, escoados da mente, sub-julgados pelo rancor, pela consciência, pelo remorso.
Seu silêncio me condena, sua indiferença iníqua me asfixia, me torna ignóbil. Me sinto torpe, enojado da minha própria fraqueza.
A retidão da sua indelicadeza, a sutileza das seus impropérios me tornam um mau agouro, um lânguido aos olhos da morte, um crédulo perante o santo emudecido. Minha ingenuidade me abate, e seria ingênuo acreditar que a ingenuidade é passageira. É parte do caráter, da índole, sou inerente à ela. Como sou inerente a você, por mais que eu tente me enganar dizendo ser auto-suficiente.
Sinto o cansaço nos meus ossos, sinto o tempo que se passa e não retorna, as oportunidades únicas, os barcos que não ancorarão mais no cais raso que machuca o casco.
E esperança está se exaurindo a conta gotas, a cada lágrima derramada e a cada pequeno furo delicado de agulha que não machuca, mas arde, incomoda, até que se torna insuportável. Os risos ficam depauperados, o olhar cansado e desgostoso, quero uma noite de sono de cinqüenta horas ininterruptas. Quero não pensar, mas me pego conversando, como se estivesse ao meu lado.
Como nossa felicidade é ignorante, ela vem apenas de quem nós queiramos que ela venha. Como se todas as outras fossem apenas os trailers do filme principal, mesmo que não goste do filme. Você imuniza a alegria, corrompe a felicidade, ignora a necessidade de sorrir e a hipocrisia que você desmantela, retorna e me assombra.
Você é o ponto de convergência da minha vicissitude, do meu revés, mas você não dá importância. É tudo tão singelo, tão primitivo.
É meu júbilo e meu infortúnio. Me afoga para me salvar. Me joga para me agarrar. Me julga errado para me perdoar. Tem o domínio da situação. Me encanta com a naturalidade materna, me convence como um orador profissional, me infecta com alegria, depois me esteriliza com uma infinidade de inverdades e supressa minha ilusória e eterna esperança de um final feliz.
É difícil entender algo simples porque nos recusamos a não exceder nossa capacidade de aprendizado, nós nascemos para o sofrimento, para obter uma alegria excessiva. Endorfina pura, que é liberada ao cérebro para bel prazer. A luxúria do egoísmo humano. A dor do parto cria vida, a saudade é um capacitador do reencontro, menos a morte. Perder algo para sempre não tem graça. E não falo da morte física, é a morte em todos os sentidos. A morte da sua moral, da sua dignidade, da sua integridade, do seu sucesso, das suas virtudes, a morte do seu amor.
Estou cansado de respirar fumaça, de respirar por aparelhos, de pigarrear, de não reconhecer mais meus passos e pisar em falso todas as vezes em que você me leva para caminhar, de não entender a inverdade das suas palavras e de estabelecer padrões de comportamento para que você goste de mim.
Por que devo me preocupar com o que você acha?
Por que deixo me enganar por você?
Por que ainda me entristeço com suas ofensas e seu desleixo?
Como são raros os momentos de alegria, como invejo os eternamente felizes, os contentes, os casados, os que amam, os que ambicionam, os que sorriem.
É tão lacônico nas palavras que parece querer deixar transparecer o desinteresse, falta de atenção é falha de quem não quer mais e falta de educação é falha quem não mais suporta. Me olha com tanto desdém que a mesmice alimentou e recusou-se a notar que desinteresse engordava até saturar as veias e entupir os canais.
Somos como dois estranhos que se conhecem tanto. Duas vias paralelas, que se olham, se conversam, mas incapazes de se unir. Definitivamente, paralelas não se cruzam. Não há mais liga, não há elo de ligação, não há laços, pois não há vantagem em haver laços. Nos importamos com o exterior quando o interior está deteriorando. Transbordamos nossa paciência. Quando um sussurro emana um barulho ensurdecedor, tudo se torna uma desculpa para não avançar. Então paramos. Cessaram as palavras, os assuntos, os interesses. Nada mais é contemplado. Nada mais é dividido.
Mas podemos nos lembrar dos bons momentos, das histórias que merecem ser contadas, das peculiaridades que nos intrigam e que amanhã nos trarão saudade.
Nos gostaremos sempre a uma distância segura, onde não ousaremos ultrapassar as linhas impostas pelo bom-senso, nossa zona neutra.
As vezes sinto que o sofrimento que você me trás faz mais falta do que a alegria que alguém possa me dar. Você é o sentido, a fonte inspiradora, a resposta. E acabamos nos perdendo.
Satirizemos nosso martírio despistando nossos sentimentos e priorizando o que não é necessário.
Eis que a vida é feita de fatos e que sonhos são apenas sonhos, pela manhã acordamos e nem lembramos para não ficarmos magoados.
E mesmo sabendo de tudo isso, e aceitando tudo isso, esse lugar ainda me sufoca.

8 de jan. de 2008

E se?

E se...?

E se hoje...?

E se hoje você ficasse?

E se hoje não acabasse?

E se hoje você se divertisse?

E se hoje você vivesse o hoje?

E se hoje você pulasse na cama?

E se hoje você não fosse embora?

E se hoje você chorasse de tanto rir?

E se hoje você esquecesse da raiva?

E se hoje você visse o nascer do sol?

E se hoje você se esquecesse de ontem?

E se hoje você desabafasse com alguém?

E se hoje você contemplasse as estrelas?

E se hoje você não penteasse os cabelos?

E se hoje você tivesse vontade de me ver?

E se hoje você assistisse desenho animado?

E se hoje você convidasse alguém para entrar?

E se hoje você vivesse o último dia de sua vida?

E se hoje você fizesse alguém feliz sem enganá-lo?

E se hoje você colocasse a música no som mais alto?

E se hoje você não se preocupasse tanto com o amanhã?

E se hoje você apertasse minha mão ao invés de soltá-la?

E se hoje você não fechasse os olhos com nada resolvido?

E se hoje você nadasse de calça jeans e camiseta na praia?

E se hoje você não se importasse com a ressaca de amanhã?

E se hoje você faltasse ao emprego e brincasse de cabular aula?

E se hoje você visse o tempo como um detalhe sem importância?

E se hoje você estourasse pipoca e assistisse um filme com os amigos?

E se hoje você pedisse desculpas ao invés de ir com remorso para casa?

E se hoje você acordasse com um sorriso ao invés de bocejar com sono e mau humor?

E se hoje você gritasse na varanda sem se preocupar com o que os vizinhos pensarão?

E se hoje você vivesse como alguém que vive a beira da morte curtindo cada pedaço da vida?

E se hoje você ficasse parado na cama, evitando ao máximo se mexer, e tentasse ouvir o que só o silêncio pode lhe falar?

E se hoje você deixasse a inveja de lado e congratulasse seu companheiro de trabalho que, convenhamos, trabalhou melhor que você?

E se hoje você telefonasse para seu amigo que não vê há séculos ou para alguém que você sabe que espera sua ligação?

E se hoje você falasse “eu te amo” sem pensar nas conseqüências que esse “eu te amo” lhe causará?

E se hoje você se esquecesse das contas a pagar, dos planos feitos e jantasse fartamente?

E se hoje você desse uma risada mais alta e chamasse a atenção da mesa ao lado?

E se hoje você falasse “bom dia” ao invés de esperar com toda gana o “boa noite”?

E se hoje você deixasse a preguiça de lado e corresse por ai até suar?

E se hoje você roesse as unhas sem se importar com o esmalte?

E se hoje você faltasse ao dentista e fosse andar de bicicleta?

E se hoje você não se importasse com o aquecimento global?

E se hoje você me dissesse o que eu quero ouvir há tempos?

E se hoje você chorasse para não ter que chorar amanhã?

E se hoje você olhasse para o céu da janela da sua casa?

E se hoje você assistisse o filme que tem tanta vontade?

E se hoje você não planejasse nada além de dançar?

E se hoje você roubasse um beijo da pessoa amada?

E se hoje você deixasse o carro e fosse de bicicleta?

E se hoje você fizesse um bate-volta na praia?

E se hoje você não tomasse seus remédios?

E se hoje você pudesse realizar seu sonho?

E se hoje você deixasse de perder tempo?

E se hoje você dançasse no meio da rua?

E se hoje você lesse um livro até o final?

E se hoje você apertasse a minha mão?

E se hoje você arriscasse suas fichas?

E se hoje você tentasse ouvir alguém?

E se hoje você aproveitasse a vida?

E se hoje você visse o pôr-do-sol?

E se hoje você confiasse em mim?

E se hoje você perdesse o medo?

E se hoje você tomasse chuva?

E se hoje você fosse feliz?

E se hoje você vivesse?

E se hoje...?

E se...?